sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

BUK, THE TERROR AND THE BUGS

certa vez houve uma mulher que enfiou a cabeça dentro do forno

o terror se torna por fim quase
suportável
mas nunca completamente

o terror se arrasta como um gato
rasteja como um gato
na minha mente

posso ouvir a risada das massas

elas são fortes
elas sobriverão

como a barata

nunca tire seus olhos da barata

você não voltará a vê-la outra vez.

as massas estão em todo lugar
sabem como fazer as coisas
elas têm raivas sadias e mortais
por coisas sadias e
mortais.

gostaria de estar dirigindo um Buick 1952 azul
ou um Buick 1942 azul-marinho
ou um Buick 1932 azul
sobre um desfiladeiro do inferno e em direção ao mar.

(Charles Bukowski)

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barata

a barata rastejou
sobre os ladrilhos
enquanto eu estava mijando e
ao virar minha cabeça
ela enfiou o traseiro
numa fenda.
peguei o inseticida e disparei o aerossol
e disparei e disparei
e finalmente a barata saiu
e me lançou um olhar muito nojento.
então desabou dentro
da banheira e fiquei assistindo à
sua morte com um prazer sutil
pois eu pagava o aluguel
e ela não.
recolhi-a com
um tipo de papel higiênico
azul-esverdeado e joguei-a
na descarga, era tudo o que se
tinha a fazer, exceto que
nas redondezas de Hollywood e
Western temos que seguir
fazendo isso.
dizem que em algum dia essa
tribo herdará
a terra
mas faremos com que
esperem mais
alguns meses.

(Charles Bukowski)
           

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

SAIDEIRA

Ela lê, lê, lê e lê.
Obstinada e de pé.
Toma de assalto a autonomia dos meus olhos vermelhos.
Vontade de ser um texto interessante, escrevo,
como se fizesse à ilustre desconhecida
uma confissão patética de amor sincero.

Um cara se aproxima.
Gestos e palavras.
Assunto insondável.
Ela, enfim, põe de lado o livro
e, no rosto, um sorriso.

Dou mais um gole na minha cerveja
e maldigo meu estúpido coração.
      

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O VELHO NO BARRIL

O cachorro caga, mas não faz cara de nojo.
E nisso é candidato ao futuro das grandes civilizações.

O Sol nos ilumina e esquenta a todos.
Mas não dispensa, ao meio-dia,
uma lamparina
para o encontro com o homem de verdade.

O mundo inteiro
é um homérico escarro de gente rica.
Mas em suas casas, cuspir,
só se for em suas caras.

Alexandre que vá desatar seus nós górdios
e me deixe em paz
com aquilo que não pode me dar!
                       

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

COISAS QUE POUCO ENVELHECEM

Liguei para ela.
Me fiz de maioral.
Achava que precisava
(e você sabe, a verdade insiste em não passar de opinião).
Sempre acho que preciso, é ridículo.
Talvez por isso, por ser ridículo,
seja tão necessário e verdadeiro.
Eis a minha opinião.

Então é isso, o puto ia de maioral na comédia sem cura e com graça apenas para os loucos:

- Não preciso de você e você sabe disso.
- Sou dono do meu nariz, mas meus defeitos são todos seus.
- Não vou dizer que te amo, mas quero que você ouça com os meus ouvidos.
- Respeito suas opiniões, só não admito que discorde de mim.
- Essa sua maldita necessidade de ser escrotizada faz de mim um escroto prestativo de mérito duvidoso.

Desliguei.

Nem reparei,
no silêncio do meu esgoto cristão a céu aberto,
que ela não havia dado a menor bola.
Porque era realmente SUPERIOR.
Ou talvez porque, simplesmente,
não sabia fingir.

(Malditos poetas
que fingem ser sombras
só pra enxergarem no escuro!)

Liguei novamente,
humano, falho e tolo.
Fui doce e patético.
Ela, autêntica, também foi.
Fomos e nos despedimos.

Desliguei e sorri.
Irresistivelmente comovido e solitário.
Temporariamente desiludido e me sentindo
um pouco menos condenado
por simplesmente estar.
              

FORMAS NA ESCURIDÃO

Eram duas da madrugada.
Duas e quinze.
Despertei com o som do telefone, acho.
Deitado no sofá da sala escura,
eu acordado e a campainha do telefone soando
pareciam duas coisas realmente estranhas.

Então, tudo piorou,
ou melhorou.
Depende de qual lado do cérebro acordou primeiro.

Uma voz grave
de zelo e reprimenda,
assustadoramente assustada e dissimulada,
sofrendo e contendo o próprio sofrimento
e fazendo sofrer e conter e sofrer,
disse:

Está tudo bem com você?
Aonde você está?
Você está bem?
Responda!

A voz familiar me disse que, antes de me ligar, havia acabado de atender a um telefonema
e nele alguém com a minha voz
dizia estar passeando pelo cemitério
e que havia muitos mortos e mais mortos e mais mortos
e depois chorava e chorava e chorava.

Respondi, então, que estava em casa
(não tão são, talvez menos são do que salvo, talvez não)
dormindo no sofá da sala e completamente alheio
a estórias de horror.
O pesadelo era ter acordado.
Desliguei.

Mas, devo confessar,
a escuridão da sala me deixou uma suspeita de dúvida.
- Teria sido eu que liguei, enquanto fingia pra mim mesmo que dormia?
- Haveria, algum enigma que se recusa à luz do dia, manifestado sua mensagem infernal pelo serviço telefônico com tarifa reduzida?
- Seria uma mãe cobrando do seu filho que siga pelo caminho da luz que leva diretamente à prisão do seu útero empoeirado?
- Ou ainda, apenas um trote? Tão estúpido quanto as perguntas que suscita?

Enquanto curtia aquele medo e assombro sonâmbulos,
bem no ventre daquela escuridão sobrenatural,
o telefone tocou novamente.
Porra, será que é alguém com a minha voz dizendo que eu estou no cemitério cheio de mortos?
Atendi, tomado de medo e fascínio e alguma irritação de sobreaviso.

Era minha mãe, novamente.
Disse que a minha voz tinha acabado de ligar para ela, de novo,
desesperada e chorando no cemitério com medo dos mortos.
Bem, dessa vez ao menos, eu sabia que não havia sido eu.

Porra, mas se a voz parecia ser a minha,
quem garante que a voz que eu acreditei ser da minha mãe
a me ligar no meio da madrugada foi realmente emitida por ela?

Estranha mania essa que as criaturas noturnas têm
de redesenhar, ao próprio bel prazer,
suas formas na escuridão.

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NOITE MAIS NEGRA

Pronto: chegou a noite mais negra.
Porque em verdade existem várias gradações.
Tem um momento em que a noite é televisão,
barulho de talheres, jogo de cartas...

Tem uma hora em que a noite é abajur aceso.
Mas sempre seguindo a galope
na direção última
-  a que me encontro agora.

Converso com po espírito de meu pai.
Ele me dá conselhos, põe a mão na minha cabeça,
olha para mim com saudades e se vai.

Queria tanto lhe fazer outras perguntas...
Mas vem chegando a manhã.
e com ela, a poesia se vai.

(Rogério Skylab - "Debaixo das rodas de um automóvel")
  

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

domingo, 16 de outubro de 2011

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

MORTE E VIDA SEVERINA


...Quando eu rio
rio seco
como é seco o sertão
o meu riso
é uma fenda
escavada no chão...

(João Cabral de Melo Neto e Chico Buarque)
    

domingo, 9 de outubro de 2011

ECOS DE UM DEBATE

Prólogo:

Lendo sobre teatro, cheguei ao Sistema Coringa do Boal. Nele, mais precisamente na peça “Arena conta Tiradentes”, existia a coexistência de formas distintas de atuação. O método de Stanilávski era usado para promover a aproximação do ator, que desempenharia o papel de Tiradentes, com o seu personagem. Apenas ele o interpretaria, lhe dando unidade e individualidade psicológica e buscando a empatia ilusionista com o público.
Já o método utilizado para que os outros atores narrassem os demais personagens era o do distanciamento brechtiniano. Dando um passo atrás, para não permitir que os personagens se sobrepusessem aos atores, eles narrariam mais do que interpretariam seus papéis, introduzindo assim, no espaço aberto, a possibilidade à reflexão racional, ladeada ao sentimento emocional naturalmente decorrente da empatia ilusionista de uma encenação. Para aumentar o espaço racional e, assim, diminuir a regência emocional da recepção do público, todos os personagens, com exceção de Tiradentes, seriam narrados por todos os atores, em rodízio, com exceção do intérprete do protagonista.
Esse “ecletismo” é descrito num livro, por Décio de Almeida Amaral, através da seguinte fala de Boal: “Brecht disse que um povo feliz não precisa de heróis. Estamos tristes, por isso precisamos de Tiradentes!”. Eram os idos de 1967.
Fui caminhar na praia. O Sistema Coringa de Boal, então, atuou como bem entendeu sobre minhas fantasias, lançando-me a léguas de séculos atrás, mais exatamente, num vale onírico aonde dois homens convivem, mesmo que nunca tenham, de fato, convivido. Heráclito e Parmênides.
Ecos de um debate:
Heráclito e Parmênides caminham lado a lado no mundo físico, um vale com seus ecos. Parmênides estaca. Heráclito continua se movendo. Progressivamente abre-se uma distância entre um e outro, mas o eco de suas vozes permite que conversem até que enfim, não se ouçam mais. Sem parar de andar nem voltar-se para trás, Heráclito diz:

H. Parou por quê? A vida é movimento neste vasto mundo físico!
P. Não parei. Caminho, agora, pelo vasto mundo metafísico.
H. Insisto que a vida é movimento. Nem a água do rio é a mesma quando nos banhamos pela segunda vez, muito menos nós somos os mesmos.
P. Via-o de lado, agora vejo-o de costas. É você ainda, Heráclito, meu velho?
H. Claro que não. Caminhava acompanhado. Agora caminho sozinho. A solidão não me agrada tanto quanto a boa companhia, mas certamente considero-a mais proveitosa do que a companhia de tolos. Julgava estar em boa companhia. Agora tenho dúvidas e as dúvidas me aborrecem. Como posso ser o mesmo?
P. Daqui, parado, penso: caminhávamos juntos e não nos distanciávamos um do outro. Não estaríamos nós em repouso e não seria esse movimento que tanto presa apenas aparência? E agora que parei e você caminha, finalmente tal movimento é constatável. Se sou tolo, é a tolice o que permite constatar o movimento, e não ele próprio.
H. Ora! Pergunte as suas pernas que o trouxeram até aí se o cansaço delas é aparente! De que serve essa tolice metafísica, senão para justificar o cansaço delas. Íamos de Éfeso para Eléia. Bem vejo que chegarei à sua cidade muito antes que você.
P. Chegará. Mas pra quê, sem o seu anfitrião. Não preciso me mover para saber que logo se perderá por lá. E não se engane, Heráclito – se é que ainda é esse o seu nome. Será um Heráclito perdido, mas ainda será um Heráclito.
H. Lá chegando, então, eu mando os médicos virem lhe buscar. Direi a verdade a eles: Parmênides moveu-se a passos firmes em direção à própria loucura metafísica. Mas é claro, pedirei para que venham sem se moverem, a não ser pelos caminhos metafísicos. Cuidado para não se cansar demais, aí, parado!
P. E você, cuidado para não errar o caminho e depois de se mover tanto, inutilmente, descobrir que chegou a uma cidade hostil aos gregos ou aos cabeças-duras.
Ambos, já muito distantes um do outro, não se ouvem mais. Mas dizem os ecos que eles ainda continuam debatendo como se se ouvissem.

Epílogo:
Reza a lenda que Heráclito, ao chegar à Eléia, foi chamado por todos de Parmênides. Sem ter êxito em conseguir desfazer energicamente o que considerava um terrível engano, foi levado à presença dos médicos da cidade. Após a administração dos medicamentos e um tanto de repouso, os médicos explicaram-no que ele, Parmênides, há muito havia desenvolvido um alter-ego o qual chamara Heráclito. Heráclito se movia enquanto Parmênides o guiava, e assim, ambos percorreram a pé boa parte do antigo vale dos ecos. Eram tão necessários um ao outro quanto gostavam de viver às turras. 
       

sábado, 8 de outubro de 2011

CORAÇÃO DE CABÍRIA

Cabíria das noites de Roma,
sorriso de flor,
destino de puta.
Pedra preciosa,
bruta,
escuta, de cor, o coração.

Na contramão da sinfonia
que anuncia sua tragédia,
retoma as rédeas das suas dores
na noite fria
dos vis amores,
pra mais um dia
sorrir em flores
sua labuta.
               

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

CATÁLOGOS


“Dizei agora, Musas, quem eram os chefes e governantes dos gregos?”
(A Ilíada, de Homero)

Há muito tempo atrás, o primeiro catálogo de que se teve notícia foi aquele enunciado por Homero, com auxílio das musas, cujo objetivo era mostrar-nos o poderio bélico que o rei Agamenon tinha à disposição para realizar o ataque que julgava final, contra a Tróia dos muros intransponíveis, devido a um sonho capcioso lhe induzido por Zeus, filho de Cronos. Homero enumera os chefes e a procedência de cada tribo disposta a lutar e, principalmente, representa a força que cada uma dispunha através do número das embarcações por elas comandadas. Agamenon e os atridas comandava cem embarcações. Aquiles e os mirmidões, sessenta. Ulisses e os cefalônios, doze. Mais do que valorar os heróis, o número das embarcações está relacionado com seus lugares na hierarquia aristocrática. Pois, sem dúvidas, Agamenon era o rei a quem todos os aqueus deviam obediência. Por outro lado, Aquiles como guerreiro, era infinitamente superior a Agamenon, assim como Ulisses, com seus doze barcos, assemelhado aos deuses na astúcia, certamente, neste quesito consagrado à deusa Atenas, superava Agamenon.
Mas o fato é o de que o catálogo de Homero, talvez enfadonho para que o lê mais de 2500 anos depois, era fundamental para que Agamenon soubesse a força de que dispunha, da onde ela vinha e também quem, uma vez as comandando, se submeteria ao seu comando para posteriormente gozar da glória e dos despojos do saque, após a derrocada de Tróia.
De lá para cá, muitos foram os catálogos criados e enumerados. O ato de classificar segundo algum critério, visando objetivos práticos ou simplesmente simbólicos e eruditos, se transformou em uma verdadeira obsessão. O catálogo de telefone é o exemplo mais banal. O de serviços do bairro também. Há ainda o dos médicos dos planos de saúde. O de doenças, usado pelos médicos, com seus importantes casos omissos. As taxonomias, que agrupam os seres biológicos em suas devidas espécies e filos. Há também o catálogo das cores, as playlisties de músicas que agitam as festas ou consolam corações intimistas, o dos eletrodomésticos, dos alimentos, dos e-mails, dos “favoritos”, dos condenados ou foragidos (a famigerada lista negra), o dos candidatos, das bandeiras, dos países, dos seres imaginários, das palavras, das rimas e analogias, o dos conceitos, dos verbetes, dos filmes, dos best-sellers, das mulheres mal ou bem possuídas (no sentido bíblico, ou não), o dos homens mal ou bem possuídos (no sentido bíblico, ou não), o dos clientes, seja qual for o serviço oferecido, o das estrelas e constelações, dos objetos arqueológicos, dos ossos indestrutíveis, das aplicações financeiras, dos endividados, etc, etc, etc...
Porém, talvez haja um catálogo que só possa ser enunciado por cada um de nós. Um catálogo que seja útil para que, alguns de nós, encontremos nossa utilidade no mundo. Um catálogo que enumere uma certa multiplicidade arredia de coisas que se multiplicam em ritmo de progressão geométrica enquanto dormimos, não obstante nos deem conselhos zombeteiros, banais ou cruciais enquanto estamos acordados na lida da vida. É, talvez, esse o catálogo das fantasias. Talvez à semelhança daquele enunciado por Homero, esse catálogo possa enumerar a parte que cabe às fantasias no enfrentamento do mundo, além da força por elas mobilizadas junto à infindável contenda entre realidade e ilusão. São, sem dúvida, procedentes de regiões oníricas diversas, as fantasias. Possuem ímpeto e força igualmente diversos, assim como partido e métodos de ação. Muitas querem simplesmente trucidar o inimigo, seja ele a realidade ou a ilusão. Outras, a exemplo de Alexandre, o grande, ou dos antigos romanos, aceitam de bom grado a construção de uma unidade imperiosa cuja base seja a diversidade e o ecletismo. Outras, enfim, desejam apenas voltar para casa, mesmo de mãos vazias, após tanto tempo de batalha.  
Eis, portanto, a sonhadora utilidade do tal catálogo: Agamenon precisa saber sobre a força da qual dispõe. Por isso, que falem as musas!
   

domingo, 2 de outubro de 2011

ATÉ


Todo dia é o que é
a fantasia de ser o que se pode ou quer
chuva, seco, farol, primavera, dia
tudo que vale, cale, sussurre e o que já se esvaia
a alegria do que valeu
do jeito meu, do jeito teu

Todos nós, desatados em apenas um
sonho de palavras
imagens imaginadas
objetivo comum

Todo dia é o que é
este sonho de futuro
notivago, diurno
até
 

QUANDO O CARNAVAL CHEGAR



Quem me vê sempre parado,
Distante garante que eu não sei sambar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Eu tô só vendo, sabendo,
Sentindo, escutando e não posso falar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Eu vejo as pernas de louça
Da moça que passa e não posso pegar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Há quanto tempo desejo seu beijo
Molhado de maracujá...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

E quem me ofende, humilhando, pisando,
Pensando que eu vou aturar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

E quem me vê apanhando da vida,
Duvida que eu vá revidar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Eu vejo a barra do dia surgindo,
Pedindo pra gente cantar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Eu tenho tanta alegria, adiada,
Abafada, quem dera gritar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar...

(Chico Buaruqe)

EU PRECISO APRENDER A SÓ SER


Sabe, gente.
É tanta coisa pra gente saber.
O que cantar, como andar, onde ir.
O que dizer, o que calar, a quem querer.

Sabe, gente.
É tanta coisa que eu fico sem jeito.
Sou eu sozinho e esse nó no peito.
Já desfeito em lágrimas que eu luto pra esconder.

Sabe, gente.
Eu sei que no fundo o problema é só da gente.
E só do coração dizer não, quando a mente.
Tenta nos levar pra casa do sofrer.

E quando escutar um samba-canção.
Assim como: "Eu preciso aprender a ser só".
Reagir e ouvir o coração responder:
"Eu preciso aprender a só ser."

(Gilberto Gil)
  

sábado, 1 de outubro de 2011

LUDWIG E O GIRASSOL ESTÚPIDO

      
GIRASSOL

Aquele girassol no jardim público de Palmira.
Ias de auto para Juiz de Fora; a gasolina acabara;
havia um salão de barbeiro; um fotógrafo; uma igreja; um menino parado;
havia também, entre vários, um girassol. A moça passou.
Entre os seios e o girassol tua vontade ficou interdita.
Vontade garota de voar, de amar, de ser feliz, de viajar, de casar, de ter muitos filhos;
vontade de tirar retrato com aquela moça, de praticar libidinagens, de ser infeliz e rezar;
muitas vontades; a moça nem desconfiou...
Entrou pela porta da igreja, saiu pela porta dos sonhos.

O girassol, estúpido, continuou a funcionar.

(Carlos Drummond de Andrade)
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SEXO

vou pela avenida Wilton
quando essa garora de uns 15 anos
vestida com um jeans apertado
que se cola ao seu rabo como duas mãos
pula na frente do meu carro
paro e deixo ela cruzar a rua
e enquanto olho suas curvas ondulantes
ela me olha direto através do
para-brisa
com olhos púrpuras
e então faz brotar
para fora da boca
a maior bola de chiclete
cor-de-rosa
que eu jamais vi
enquanto escuto Beethoven
no rádio do carro.
ela entra numa mercearia
e se vai
e eu fico abandonado com o
Ludwig.

(Charles Bukowski, O amor é um cão dos diabos)
  

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

CACOS POÉTICOS

O que há, homem,
que nada te junta os cacos?
Abandonastes os sonhos impossíveis
agora quando tocas
não mais sentes
a apoteose do tato.
                          

domingo, 25 de setembro de 2011

THE DEAD CHILD OF NYANGA

The child is not dead
The child lifts his fists against his mother
Who shouts Afrika ! shouts the breath
Of freedom and the veld
In the locations of the cordoned heart

 
The child lifts his fists against his father
in the march of the generations
who shouts Afrika ! shout the breath
of righteousness and blood
in the streets of his embattled pride
 
The child is not dead not at Langa nor at Nyanga
not at Orlando nor at Sharpeville
nor at the police station at Philippi
where he lies with a bullet through his brain
 
The child is the dark shadow of the soldiers
on guard with rifles Saracens and batons
the child is present at all assemblies and law-givings
the child peers through the windows of houses and into the hearts of mothers
this child who just wanted to play in the sun at Nyanga is everywhere
the child grown to a man treks through all África
 
The child grown into a giant journeys through the whole world
Without a pass.
 
(Ingrid Jonker)
 

sábado, 24 de setembro de 2011

NÓS

Decifra-te ou devora-te,
disse a estátua sem nome.

Aos 274 anos,
pensativo feito mármore
é em pedra eterna e inanimada
que se consome.

Enfim, ouviu a voz
que trazemos, muda, em nós:

- Pouco importa se és jovem ou velho
Trata-se de uma charada
pra que distraia em ser tão sério.

Sua gargalhada rodopiou na atmosfera.
Viveu até os 742 anos.
         

domingo, 18 de setembro de 2011

ALTA VOLTAGEM


"Feitos pra vendagem"
Eis o dizer d'uma etiqueta.

"Informações na embalagem"
Aos que comprimem a silhueta.

Na vida se encena o comércio da tela.
No sonho iludido consome-se a lida.
Um deus prometeu fazer jus a sua espera.
Já tarda a bonança, quiçá, combalida.

"Feitos pra engrenagem"
Eis o aroma do seu suor.

"Cuidado: alta voltagem!"
Sua consciência, trabalhador.
                         

domingo, 11 de setembro de 2011

SOBRE OS ONZES DE SETEMBROS


EM MEMÓRIA AOS 38 ANOS DO ATAQUE DE 11/09

A História que não está na mídia

“Aviões da Força Aérea chilena atacaram o palácio La Moneda”.

Eis as palavras anunciadas com voz trêmula pelo locutor da emissora sindical Rádio Corporación, no final da manhã de 11 de setembro de 1973.

Três anos antes, no dia 4 de setembro de 1970, Salvador Allende havia sido eleito presidente do Chile. Pela primeira vez na América Latina um político socialista chegava ao poder de forma democrática.

O ataque comandado por Augusto Pinochet, chefe do exército do governo deposto, foi festejado politicamente pelo governo norte-americano de Richard Nixon, do qual também obteve apoio logístico. O golpe militar de 11 de setembro de 1973 foi o sangrento ponto final da política exterior dos EUA contra o governo Allende, combatido por Washington desde o seu início.

O desarquivamento maciço, em 1999, de documentos americanos sobre o golpe de estado no Chile ajudou a esclarecer a responsabilidade de Washington na derrubada de Salvador Allende. O desarquivamento desenterrou detalhes sobre as operações secretas da CIA, primeiro para impedir que Allende fosse eleito, depois para desestabilizar seu governo e, finalmente, para apoiar o golpe e a posterior ditadura de Pinochet, que durou 17 anos e ceifou trinta mil vidas.

Pela memória das lutas revolucionárias

No início deste mês de setembro, muito se alardeou na grande mídia sobre o aniversário de dez anos daquilo que se convencionou chamar de o maior atentado terrorista da História: o 11/09 norte-americano.

Buscando fugir do revanchismo que comumente cria disputas entre tragédias humanas ocorridas em tempos e espaços distintos (não obstante elas ocorram inegavelmente sobre o mesmo solo histórico da luta de classes ao redor do mundo), o Núcleo Frei Tito faz um chamado para alguns instantes de reflexão.

A despeito da dramática disputa entre números estatísticos, tão abundantes na tentativa de mensurar a dimensão humana das tragédias e também a medida justificadora do ódio que as segue, cabe a nós a coragem de nos perguntarmos o que, de fato, faz uma tragédia maior ou menor que a outra. O número de mortos? O volume dos escombros ou ferros retorcidos? Os prejuízos econômicos de médio e longo prazo? O recrudescimento da reação conservadora cinicamente justificada?   

Tudo isso conta, é verdade. Mas nada disso assume o seu significado pleno se deixarmos de fora da nossa análise o fato de que a grande medida da tragédia humana moderna situa-se, mais precisamente, no valor que damos ou deixamos de dar a sua principal causa: a luta de classes. Sigamos juntos, portanto, lutando pelo sonho coletivo de um mundo sem classes!

EPÍLOGO À VIDA QUE SE VIVE


Comercializava oito horas diárias da sua vida em troca de sobrevivência. É verdade que esse comércio necessário, mas nem por isso natural, em outras épocas já havia sido mais desvantajoso. Mas ainda assim, fazia parte do próprio prazer da vida a qual ele comercializava, maldizer os compradores obstinados, que mundo afora iam acumulando excedentes de horas alheias e mal vividas que lhes rendiam fortunas de objetos supérfluos, tão necessários aos seus desejos quanto é necessária uma maçã suculenta e não mordida a um garboso e bem plantado pé de laranjas.

Havia decidido, no interior de sua cabeça cujos pensamentos a duras custas buscava isentar do comércio que o mantinha vivo, que viveria uma jornada dupla. Além do comércio comum a todos os seres vivos deste e, infortunadamente, do outro mundo, havia decidido que também trabalharia em uma outra espécie de ofício. Havia decidido ser artesão. Havia decidido produzir com as mãos artefatos sem etiquetas, utensílios sem valor comercial – não obstante comercializáveis quando a astúcia prática dos senhores entediados do mundo se distrai e eles próprios, sem querer, desnaturalizam por engano a desnecessária fábula do mundo a qual protagonizam.

Além das oito horas, que eram as horas que vendia e com as quais comprava o marco zero das horas da vida deliberadamente reconhecida como vida, trabalharia ainda outras horas a mais como carpinteiro. Daria forma a uma matéria. Uma matéria, entretanto, infinitamente menos rija do que a madeira. Uma amálgama feita de um não sei o quê misterioso cujo nome e definição se multiplicavam responsável e irresponsavelmente por toda face do imenso globo que ainda e sempre jazia crepitante. Daria forma à própria vida que, enfim, percebera, mantinha-se inútil para além do seu valor de vida comprada e usufruída após a operação monetária que ignora o próprio processo produtivo que a fez ser o que é e a ter o valor que pagou quem a comprou pelo simples fato de ter nascido.

É certo que não sabia que espécies de objetos sacros ou profanos suas mãos criariam. Tão certo, é verdade, quanto os sonhos premonitórios dos antigos profetas embriagados que, incapacitados de informar detalhes sobre o futuro inquirido, se safavam com cataclismos universais que só convenciam aqueles que em vida já se encontravam mortos e apenas ansiavam por uma doce fantasia justificadora. Isso porque eram muitos os mortos antes, assim como ainda o são agora. De maneira que, não importando que tipos de objetos por ele seriam engendrados, seriam, em primeira e última instância, ele urdia, consagrações à vida, essa sim, e apenas ela, sem forma acabada, embora sendo formada na medida em que ainda e até quando, enfim, se acabe, para que só então quando finda, assuma a forma definitiva das um milhão de formas póstumas e apócrifas que ninguém, senão a autoridade temporária e temporal, sabe o que são, até que, mais uma vez e sempre, nada mais saiba, novamente.
 
O FIM...

sábado, 10 de setembro de 2011

III - A ETERNIDADE DA BUSCA


“Eis aí um homem bom”. Na manhã seguinte, enquanto se arrumava para ir trabalhar, eram essas as palavras que teimavam em não abandonar o barco da consciência naufragada de Patrício, que já há muito, indo a pique, parecia clamar por socorro desde aquele primeiro momento em que todos nos lançamos ao mar de nossas desventuras sem entender muito bem se é o porto que se move para trás, ou, ao contrário, se somos nós que avançamos em direção a um horizonte zombeteiro que parece igualmente se mover numa eterna brincadeira pueril de pegar.

Ele pensava sobre como havia esquecido da capacidade de se reconhecer digno diante das adversidades impostas àqueles condenados à aventura da vida, adversidades essas impressionantemente transpostas, no dia anterior, pelas palavras daquele sujeito que chamou a si mesmo de Homero e se decretou cego às aparências fundadas pela aparente naturalidade do jogo comercial das trocas simbólicas e materiais. “Eis aí um homem bom”, repetiu Patrício, em voz alta, mas dessa vez não para referir-se a si próprio, e sim a Homero, fosse ele quem fosse. Porque o fato era o de que, independente de quem fosse, ele simplesmente era. Era, intransitivamente, com tamanha força que havia espantado Patrício e o impelido a lembrar-se da sua própria força, onde quer que estivesse, e que mais exatamente, estava num lugar acessível apenas por ele: nele próprio.

Em posse de si mesmo, Patrício sentiu-se abandonando muito do que, então, jazia em si mesmo, mas que simplesmente não era. Percebeu que em toda a sua vida de navegante em noite de céu nublado, não quis nada além de tragicamente afastar as nuvens da abóbada celeste com o poder do sopro de seus próprios pulmões tubérculos, para que, enfim, pudesse se guiar pelas estrelas, ou mais precisamente, para que o campo gravitacional delas o guiasse, uma vez que nem mesmo lê-las ele sabia, ocupado que sempre esteve em sonhar em ser uma delas. Neste exato momento Patrício riu. Em silêncio. Sentiu a tragédia do que já não era se transformar numa ainda tímida, porém confiante, possibilidade de comédia posta, sem rancores, ao seu inteiro dispor. Riu novamente e sentiu a vontade de compartilhar esse riso com Homero, uma vez que o próprio Homero havia compartilhado com ele a sua força.       

Ao aproximar-se do local aonde ocorrera o encontro com seu destino homérico, Patrício colocou as mãos no bolso para sacar habilmente o maço de cigarros, ao mesmo tempo em que punha em prontidão sua atenção com o objetivo de avistar o sacerdote ávido por sua ritualística nicotina vespertina. Olhou ao redor e logo se avexou de sua própria esperança ao dar-se conta de que não havia nem sinal do sujeito e de que, muito diferente do próprio caso de Patrício, aquele sujeito assemelhava-se mais a um nômade temporão sem itinerário fixo, parido pelo abismo das diferenças sociais implacavelmente erguidas. Mesmo, porém, sob pena de atrasar-se, Patrício iniciou uma busca pelas redondezas. Atravessou ruas, dobrou esquinas, estacou diante de sinais vermelhos, vistoriou ruelas, consultou os bancos das praças e os monumentos que ninguém sabe a quem foram erguidos, senão aos próprios mendigos que deles fazem bom uso. Nada. Foi quando, enfim, Patrício compreendeu. Sorriu. Teria que buscar Homero até o fim de seus dias. 

(continua...)
         

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

UM PRÓLOGO E UM ATO


HÁ DE HAVER

   Sem fé,
o que quer que seja
         já não é. 


RESTA UM

O romano
contava o um para adiante.
O zero,
cunhou o árabe comerciante.
Vazio
fez-se o infinito mais que comum.
Inteiro,
a consciência que cria o UM.

(inspirado no texto A Razão e a Fé, de MD Magno)
     

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

II - A VISÃO DE HOMERO


Caminhando em direção ao trabalho, Patricio avistara um homem vestindo andrajos, que, por sua vez, avistara Patrício se aproximando. O estado mendicante do sujeito era o de uma figura repulsiva, daquelas tão comuns ao cenário cotidiano dos que transitam de um lado ao outro da cidade por motivos pessoais de sobrevivência ou apenas pelo motivo impessoal e compulsório de manutenção da circulação objetiva do sistema. O sujeito, de fato, pouca repulsa provocava, não obstante o mesmo não pudesse ser dito quanto ao grau da indiferença, essa sim, abundante e transbordando para fora do enquadramento da cena. Naturalmente, foi o sujeito que tomou a iniciativa da ação pois, caso contrário, a presente estória não seria sobre o encontro de Patrício Aragonéz com o seu próprio destino, tema esse, diga-se de passagem, tão banal quanto a banalidade de estar-se vivo em um mundo tão repleto de vivos quanto de mortos e de destinos e de encontros e desencontros entre mortos e vivos ou quase-vivos ou quase-mortos.

- O senhor tem um cigarro para dar a um cego?

Não estando àquela hora fumando, mas tendo apenas acabado de colocar um maço de cigarros recém comprado no bolso da calça, Patrício não esboçou qualquer iniciativa de tira-lo do bolso ou mesmo de dignar ao pedinte, que lhe solicitara o reconhecimento da própria presença, uma resposta, qualquer que fosse. Patrício seguiu caminhando como se o cego fosse ele próprio e como se tão própria fosse a sua cegueira que já há muito tivesse deixado de ser uma deficiência que o impedisse de desviar dos obstáculos impostos ao seu sonambulismo urbano dos dias úteis.

- Sei que o senhor tem cigarros.
- Se sabe, não é cego. Se não é cego é um vira-lata mentiroso – respondeu Patrício sem tomar fôlego, abruptamente arrancado do seu sono laboral.

Parados, um diante do outro, o sujeito surpreendeu Patrício dizendo-lhe sobre a cegueira a qual atribuiu a si mesmo. Era, de fato, sobre a incapacidade de distinguir-se dos tantos outros que lhe atravessavam o pedaço de calçamento sobre o qual se postava para exercitar sua atividade diária de sobrevivência, que se referia. Sobre a incapacidade de enxergar-se menos homem em seu metabolismo e em sua memória ancestral viva e em comunhão com a da sua espécie. Ou ainda, sobre a incapacidade de ver-se menos herdeiro de toda a história da humanidade e, no interior dela, das suas peripécias, marasmos, perfídias, motins, revoluções e golpes de sorte ou astúcia que fizeram o mundo, mundo, e fazem dos homens, diariamente, homens. Era, finalmente, mas não por último, disse como se recitasse um antigo poema, sobre a incapacidade de enxergar qualquer obstáculo que se propusesse a impedir que um sujeito desprovido de dinheiro fosse cruelmente privado de fumar o seu sagrado cigarro matinal, consagrado ao ritual venerável à condição humana de optar sobre a forma na qual aguardaria a chegada da própria morte, que se referia.

- Toma – disse Patrício, tirando do bolso o maço, abrindo-o e oferecendo-o ao sujeito.
- Eis aí um homem bom! – exclamou o sujeito enquanto pegava o cigarro. 
- Apropósito, qual o seu nome? – perguntou, Patrício, sem saber exatamente por quê?.

Era sorrindo que o sujeito, saboreando a nicotina em tragadas repletas de júbilo, comentava o fato de há muito não ser inquirido para que tivesse motivo em articular tal resposta. Dando mais atenção ao seu próprio ritual do que à pergunta, que serpenteava na atmosfera junto à fumaça cuja combustão ardia tanto quanto os olhos vermelhos do seu sacerdote, disse:

- Homero – afastando-se, assim, sem maiores satisfações. 

(continua...)
                 

sábado, 27 de agosto de 2011

I - A NARRAÇÃO DO DESTINO


Patrício Aragonéz era um homem bom. É certo que bom não lhe convinha, e era isso que martelava seu juízo silenciosamente crispado sempre quando ele, Patrício, se tornava o endereço de um sorriso cortês que assumia o papel de desafeto cruel apenas por ser portador desavisado do adjetivo que julgava estreito demais para as proporções as quais fantasiava suas próprias dimensões. Bom e nada mais, diria a si mesmo com delirante revolta, era o termo que o consagraria no mundo caso não consagrasse antes, ao mundo, como lugar torpe e de causas injustas, pelo simples fato de entre elas não figurar sua própria causa, ou seja, seu próprio ‘eu’ intenso e irrelevante, não obstante ávido de um nós e um convosco que finalmente o libertasse da unanimidade solene constituída de apenas um, e cujo dilema da relevância ou irrelevância sempre o deixava horas prostrado entre reflexões e conclusões desmemoriáveis.

Batalhava com o mundo, diariamente, a manutenção ou revogação da revolução copernicana. Duvidava se era mesmo o mundo que rodava por si próprio sob seus pés, ou se eram seus pés que, desavisados, corriam sobre uma esteira mundial estendida até o infinito,  dando, assim, movimento a tudo que os circundassem, sob a pena, porém, de manterem-se inelutavelmente imóveis ao seu próprio esforço hercúleo de lograr a chegada em algum lugar. Mas isso, é verdade, não o impedia de levantar-se da cama. Muito menos de, ao levantar-se, zombar da lei da gravidade que, segundo a sua opinião nunca dita a ouvidos humanos, de grave nada continha, a não ser o fato de evitar, e não o de provocar, a gravidade que seria o pandemônio de corpos flutuantes pelo espaço aéreo já ocupado por máquinas que simulam pássaros e almas penadas que nem sequer existem, até que se prove o contrário, ou não se prove nada, a despeito, é claro, do espírito de porco e do espírito científico, esse sim o mais penado de todos, mas não por improvável, e sim pelo esforço de provar a hipótese estatística da separação, na amálgama primeira, do crível do incrível.

Era uma manhã de outono aquela na qual, ao decidir uma vez mais que ergueria seu corpo contra o imperativo da lei gravitacional para levá-lo ao trabalho, Patrício Aragonéz deparou-se com aquilo que fez possível a narração da sua estória: o destino. O destino que não só ele como todos nós aguardamos, mesmo que por ele nunca sejamos reconhecidos, a não ser no exato momento em que já não mais reconhecemos quem éramos, ocupados que estávamos em decifrar suas charadas que não exigem mais do que exigiriam as perguntas feitas por crianças, que pouco ou nada sabem sobre imperativos futuros pré-determinados e para quem, certamente, tudo isso soaria como faz de conta, caso não fossem elas próprias a encarnação da absoluta tolice intransitiva e impiedosamente feliz. O fato, porém, é que Patrício Aragonéz deparou-se, naquela manhã descrepuscular, com o sujeito que determinaria para sempre a sua vida.

(continua...)
 

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

PRÓLOGO DE UM SONHO VIVIDO

Comercializava oito horas diárias da sua vida em troca de sobrevivência. É verdade que esse comércio necessário, mas nem por isso natural, em outras épocas já havia sido mais desvantajoso. Mas ainda assim, fazia parte do próprio prazer da vida a qual ele comercializava, maldizer os compradores obstinados, que mundo afora iam acumulando excedentes de horas alheias e mal vividas que lhes rendiam fortunas de objetos supérfluos, tão necessários aos seus desejos quanto é necessária uma maçã suculenta e não mordida a um garboso e bem plantado pé de laranjas.

Havia decidido, no interior de sua cabeça cujos pensamentos a duras custas buscava isentar do comércio que o mantinha vivo, que viveria uma jornada dupla. Além do comércio comum a todos os seres vivos deste e, infortunadamente, do outro mundo, havia decidido que também trabalharia em uma outra espécie de ofício. Havia decidido ser artesão. Havia decidido produzir com as mãos artefatos sem etiquetas, utensílios sem valor comercial – não obstante comercializáveis quando a astúcia prática dos senhores entediados do mundo se distrai e eles próprios, sem querer, desnaturalizam por engano a desnecessária fábula do mundo a qual protagonizam.

Além das oito horas, que eram as horas que vendia e com as quais comprava o marco zero das horas da vida deliberadamente reconhecida como vida, trabalharia ainda outras horas a mais como carpinteiro. Daria forma a uma matéria. Uma matéria, entretanto, infinitamente menos rija do que a madeira. Uma amálgama feita de um não sei o quê misterioso cujo nome e definição se multiplicavam responsável e irresponsavelmente por toda face do imenso globo que ainda e sempre jazia crepitante. Daria forma à própria vida que, enfim, percebera, mantinha-se inútil para além do seu valor de vida comprada e usufruída após a operação monetária que ignora o próprio processo produtivo que a fez ser o que é e a ter o valor que pagou quem a comprou pelo simples fato de ter nascido.

É certo que não sabia que espécies de objetos sacros ou profanos suas mãos criariam. Tão certo, é verdade, quanto os sonhos premonitórios dos antigos profetas embriagados que, incapacitados de informar detalhes sobre o futuro inquirido, se safavam com cataclismos universais que só convenciam aqueles que em vida já se encontravam mortos e apenas ansiavam por uma doce fantasia justificadora. Isso porque eram muitos os mortos antes, assim como ainda o são agora. De maneira que, não importando que tipos de objetos por ele seriam engendrados, seriam, em primeira e última instância, ele urdia, consagrações à vida, essa sim, e apenas ela, sem forma acabada, embora sendo formada na medida em que ainda e até quando, enfim, se acabe, para que só então quando finda, assuma a forma definitiva das um milhão de formas póstumas e apócrifas que ninguém, senão a autoridade temporária e temporal, sabe o que são, até que, mais uma vez e sempre, nada mais saiba, novamente.

(continua...)

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

VINTE DE MARÇO

Dizem que o céu
é um pouco mais do que o meu,
o nosso curvo chapéu.

Escreve, o danado!
Desenha com pontos luminosos
os traços, há muito,
pelos homens imaginados.

Guia por dentro o labirinto particular.
Cartografa, aos que ousam,
os descaminhos e terra à vista! 
          

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

CONVERSA (DES)AFIADA



I

AÇOUGUEIRO SEM CÃIMBRA

Demente que martela
com um dedo só
a tecla dos pianos aéreos.

Açogueiro sem cãimbra nos braços,
eu faço versos como quem talha.
A facão.
E talho para desbastar os excessos:
aparto de mim uma ruma de poemas.
Ao escrever
        (sem lume, vista turva, cego,
                                    no ato bruto),
                                       o ego some, esfuma,
E o nume Ninguém Nenhures é que assume a autoria.

Há uma gota de sangue em cada fantasma?

Açogueiro sem cãimbra nos braços.
Acontece que não acredito em fatos,
magarefe agreste,
pego a posta do vivido,
talho, retalho, esfolo o fato nu e cru,
pimento, condimento,
povôo de especiarias,
fervento, asso ou frito,
até que tudo figure fábula.

Açogueiro sem cãimbra nos braços,
tarefeiro tosco,
cozinheiro de gororoba,
demiurgo áspero.

Demente que martela,
com um dedo só
as teclas dos pianos aéreos.

(Waly Salomão)




II

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:

a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o mundo para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas tem devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde a sua existência num fagote tem salvação
e)Que um rio que flui entre dois jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre dois lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
etc
etc
etc
Desaprender oitos horas por dia ensina os princípios.

(Manoel de Barros)



               

domingo, 14 de agosto de 2011

VILLA-LOBOS NOS DEDOS DE YAMANDÚ


"Se queres ser universal, começa por pintar a tua Villa"

(Leon Tolstines)

ILUSÃO PRÉ-FIXA

Impossível é o possível com o prefixo im...pessoal.
Mas im-pessoa não é pessoa, muito menos Pessoa, o tal.
Como pode, então, impossibilitar o possível,
mesmo o que soa incerto,
mas ainda assim, possível e pessoal,
seja do caso oblíquo ou do caso reto?
                          

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

INCÊNDIOS


um mais um é um

Assim, a tragédia de mais de mil anos,
assim como o ódio em que nos amamos.
Assim como a vida por trás desses danos,
assim, os cristãos, assim, muçulmanos.

um Alah mais um Javeh é um,
a fé
nos seres humanos.
     
 

(inspirado no filme INCÊNDIOS, de Denis Villeneuve, por sua vez inspirado na peça de Wajdi Mouawad) 

sábado, 6 de agosto de 2011

TRIOLOGIA ANORMAL


IV

A PUTA QUE NOS PARIU

     Norma pariu dois mundos
feitos de bestas que entoam 'ais'.
     Normais, os que vivem dentro.
Mortais, uns belos animais.

III

PREFERIDOS DA MAMÃE

    Só os normais são idiotas.
Quem quiser
    que conte outra.

II

TROCO

   Norminha, meu bem,
me dá uma mão:
   cadê a porra da ordenação?!

I

PROFISSÃO MAIS ANTIGA (ou ODE À TROIS)

Eu, Norma e Tizo
Tu, Norma e Tizas
Ele, Norma e Tizam
Nós, Norma e Tizamos
Vós, Norma e Tizais
Eles, Norma e Tizam

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

UM LERO COM NIETZSCHE


"We're on our way home, we're going home"


NIETZSCHE: Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos somos desconhecidos – e não sem motivo. Nunca nos procuramos: como poderia acontecer que um dia nos encontrássemos?

ALGUÉM: Cara, li teu livro mas não sei se sou exatamente um homem do conhecimento...

NIETZSCHE: (com sorriso no canto da boca) É justamente disso que estou falando...

ALGUÉM: (ruborizado) Li, confesso, pra tentar descobrir um pouco mais sobre mim mesmo.

NIETZSCHE: (triunfante) Com razão alguém disse: “onde está teu tesouro, estará teu coração”. Nosso coração está onde estão as colméias do nosso conhecimento. Estamos sempre a caminho delas, sendo por natureza criaturas aladas e coletoras do mel do espírito, tendo no coração apenas um propósito – “levar algo para casa”.

ALGUÉM: Eu até tenho colhido muito dos antigos. Você não deixa de ser um deles. Na verdade, vocês são muito mais simples e honestos quando se trata de alçar vôo para extrair um quê do mel do auto-conhecimento. Só que essa busca leva muito tempo e o problema é que ela é solitária demais...(pausa). Mas não deixa de ser verdade que eu me sinto mais próximo de casa quando estou por aqui...

NIETZSCHE: Quanto ao mais da vida, as chamadas vivências, qual de nós pode levá-las a sério? Ou ter tempo para elas? Nas experiências presentes, receio, estamos sempre ausentes: nelas não temos nosso coração – para elas não temos ouvidos.

ALGUÉM: Andei pensando, cara... a comédia não é exatamente isso, quer dizer, apartar-se, mesmo que momentaneamente, do coração? Se for isso mesmo, então me parece que as vivências não são nada senão divertidas brincadeiras para serem jogadas mais com a astúcia do que com esse sério e universal coração. 

NIETZSCHE: (incisivo) Cada qual é o mais distante de si mesmo! (solene) Para nós mesmos somos homens do desconhecimento.

ALGUÉM: (conciliador, como quem se consagra ao próprio coração, todavia incluindo alguma astúcia) Oxalá os deuses me façam aprender a tanger mais de uma melodia nesse comboio de cordas que trago no peito. O tom menor para fazer da casa, lar; o tom maior para fazer do mundo, casa. Assim, quiçá, para onde quer que eu vá, eu sempre esteja indo para casa.... (subtamente iluminado) Caraca! De repente me lembrei do velho Odisseu. Valei-me velho astuto!

NIETZSCHE: (estrondosa gargalhada).

ALGUÉM: (em off) Do que ele ri eu não sei. Mas o bigode chega a estar arrepiado feito filhote de porco espinho. (gargalha, contagiado).

Inesperadamente Nietzsche crava a mão na própria testa e puxa-a, desprendendo-a e também a todo o seu rosto, revelando ser ele uma máscara. Por baixo, vemos o sorriso maroto de Erasmo de Rotterdan. Ele pisca um dos olhos.
             
ERASMO: Toque quantas melodias quiser. Mas uma de cada vez. (gargalhada)
 
ALGUÉM: Erasmo de Rotterdan?!
 
Erasmo crava a mão na cara, puxa-a, revelando-a uma máscara. Debaixo, o indefectível bigode de Nietzsche e seu semblante solene.
 
NIETZSCHE: (enfadado) Já disse, para nós somos homens do desconhecimento!
 
ALGUÉM: Pô, bicho, seja quem você quiser. Mas um de cada vez, né?    
 
Nietzsche estende a mão e agarra a cara de Alguém como se fosse uma máscara. Puxa-a, mas ela não se move. Recua.
 
NIETZSCHE: (balançando a cabeça em desaprovação) Tsc, tsc, tsc, tsc... 

           
Nietzsche pega um bloquinho e um lápis do bolso. Escreve algo. Arranca a página e entrega a Alguém.

 
NIETZSCHE: O dia em que usares máscaras e souberes quem és, não precisarás ler o bilhete.
 
Nietzsche vai embora. Alguém vê o bilhete. Nele não há nada escrito, mas apenas o desenho de uma máscara rindo e de outra chorando. 


(Inspirado no parágrafo 1 do Prólogo de A Genealogia da Moral) 

                                                                          

domingo, 31 de julho de 2011

PLANETA MELANCOLIA-VON-TRIER

 
A vida não é um Youtube de ensaio. É  palco, erro e improviso.

A melancolia aprisiona o indivíduo, que, mesmo encarcerado, faz-se profeta e decreta fatalmente o fim da humanidade. Desterrada do tempo presente, a (in)consciência do melancólico se embriaga de passado e lança a impossibilidade de alterá-lo para o futuro, na forma de uma irremediável fatalidade.

Aqui, mais valem as palavras do profeta Leminski:

   O que o amanhã não sabe,
o ontem não soube.
   Nada que não seja o hoje
jamais houve.

O que a (in)consciência do melancólico, sujeito em estado narcísico-fatalista, não prevê é justamente o que nos cantou Waly:

Esgotado o eu, resta o espanto do mundo não ser
levado junto de roldão.

O fim da humanidade, para o melancólico, é o fim do melancólico para a humanidade.
                                                                                

sexta-feira, 29 de julho de 2011

CONVERSAS ALÉM

à Daniel do Vale

Cada um guarda a lembrança que quer ou pode. A minha:

I
- O suicida é o cara que erra por amar muito a vida.
- (sorriso no canto da boca)

II
Filme "As Horas".
Virginia Wolf, na estação do trem, vê chegar seu marido para levá-la de volta para casa de campo. Diante dos apelos dele, dizendo que sua frágil condição não suportaria caso ela voltasse para Londres, ela responde:
- Leonard, não se encontra paz fugindo da vida.

III
Ainda "As Horas", desta vez, respondendo ao marido, Leonard, quando este lhe pergunta o motivo que a leva a matar um personagem. Ela responde:
- Para que os outros personagens valorizem a vida.

"Aceitar o inevitável para transformar o inaceitável."
                                                        

SALA SUNYATA

Ó, tábula rasa.
nove vezes nada, noves fora nada.
Sol nulo dos dias vãos. Lua nula das noites vãs.

Eis que atingi o ponto Nadir.
Se todas as coisas nos reduzem a

                               ZERO
é dai do
                               ZERO

                               que temos que partir.

(Waly Salomão)
            

domingo, 24 de julho de 2011

REDESCOBRIR


Como se fora a brincadeira de roda
Memórias!
Jogo do trabalho na dança das mãos
Macias!
O suor dos corpos na canção da vida
Histórias!
O suor da vida no calor de irmãos
Magia!

Como um animal que sabe da floresta
Memórias!
Redescobrir o sal que está na própria pele
Macia!
Redescobrir o doce no lamber das línguas
Macias!
Redescobrir o gosto e o sabor da festa
Magia!

Vai o bicho homem fruto da semente
Memórias!
Renascer da própria força própria luz e fé
Memorias!
Entender que tudo é nosso sempre esteve em nós
História!
Somos a semente, ato, mente e voz
Magia!

Não tenha medo meu menino povo
Memórias!
Tudo principia na própria pessoa
Beleza!
Vai como a criança que não teme o tempo
Mistério!
Amor se fazer é tão prazer
Que é como fosse dor
Magia!

Como se fora brincadeira de roda
Memórias!
Jogo do trabalho na dança das mãos
Macias!
O suor dos corpos na canção da vida
Histórias!
O suor da vida no calor de irmãos
Magia!

(Gonzaguinha)
                        

sábado, 23 de julho de 2011

SOBRE MEUS OMBROS, O TEMPO DE DRUMMOND

Chega o tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.

Pouco importa que venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as dicussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adiante morrer.
Chegou o tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

O poeta
declina de toda responsabilidade
na marcha do mundo capitalista
e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas
pretende ajudar a destruí-lo
como uma pedreira, uma floresta,
um verme.

(Carlos Drummond de Andrade - dos poemas "Nosso Tempo" e "Os ombros suportam o mundo")
                            

CHICO BUARQUE

TAL QUAL PAUL VÁLERY

(...)
Válery não é arremedo de escudo
para o acuado remoedor do ar do medo:
um poema deve ser uma festa do intelecto.
E poemas e festa e intelectos implicam riscos.
Cuidado para não escrever:
ali, onde tudo não é senão ordem e beleza,
luxo, calma e volúpia.
Mas nada de emenda
pois este paraiso-artefato
só se atinge de fato no poema.
Por que proibi-lo de ser o delírio das sensações?
Por que propor, ó fedelho, um cinto de castidade
e uma presilha para uma donzela-musa
deflorada e redeflorada cuja virgindade
só se recompõem por gosto de ser
deflorada e redeflorada mais?
Às vezes ela clama para ser estuprada
mas não por você que fede a cueiros.
(...)

(Waly Salomão)
                        

sexta-feira, 22 de julho de 2011

TEMPO REI

Não me iludo
Tudo permanecerá do jeito
que tem sido
Transcorrendo
Transformando
Tempo e espaço navegando
todos os sentidos

Pães de Açúcar
Corcovados
Fustigados pela chuva
e pelo eterno vento

Água mole
Pedra dura
Tanto bate que não restará
nem pensamento

Tempo Rei!
Oh Tempo Rei!
Oh Tempo Rei!
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, oh pai, o que eu ainda não sei
Mãe Senhora do Perpétuo
Socorrei!

Pensamento!
Mesmo fundamento singular
do ser humano
De um momento para o outro
Poderá não mais fundar nem gregos, nem baianos

Mães zelosas
Pais corujas
Vejam como as águas de repente
ficam sujas

Não se iludam
Não me iludo
Tudo agora mesmo pode estar
por um segundo

Tempo Rei!
Oh Tempo Rei!
Oh Tempo Rei!
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, oh Pai, o que eu, ainda não sei
Mãe Senhora do Perpétuo
Socorrei!
                       
(Gilberto Gil)