Patrício Aragonéz era um homem bom. É certo que bom não lhe convinha, e era isso que martelava seu juízo silenciosamente crispado sempre quando ele, Patrício, se tornava o endereço de um sorriso cortês que assumia o papel de desafeto cruel apenas por ser portador desavisado do adjetivo que julgava estreito demais para as proporções as quais fantasiava suas próprias dimensões. Bom e nada mais, diria a si mesmo com delirante revolta, era o termo que o consagraria no mundo caso não consagrasse antes, ao mundo, como lugar torpe e de causas injustas, pelo simples fato de entre elas não figurar sua própria causa, ou seja, seu próprio ‘eu’ intenso e irrelevante, não obstante ávido de um nós e um convosco que finalmente o libertasse da unanimidade solene constituída de apenas um, e cujo dilema da relevância ou irrelevância sempre o deixava horas prostrado entre reflexões e conclusões desmemoriáveis.
Batalhava com o mundo, diariamente, a manutenção ou revogação da revolução copernicana. Duvidava se era mesmo o mundo que rodava por si próprio sob seus pés, ou se eram seus pés que, desavisados, corriam sobre uma esteira mundial estendida até o infinito, dando, assim, movimento a tudo que os circundassem, sob a pena, porém, de manterem-se inelutavelmente imóveis ao seu próprio esforço hercúleo de lograr a chegada em algum lugar. Mas isso, é verdade, não o impedia de levantar-se da cama. Muito menos de, ao levantar-se, zombar da lei da gravidade que, segundo a sua opinião nunca dita a ouvidos humanos, de grave nada continha, a não ser o fato de evitar, e não o de provocar, a gravidade que seria o pandemônio de corpos flutuantes pelo espaço aéreo já ocupado por máquinas que simulam pássaros e almas penadas que nem sequer existem, até que se prove o contrário, ou não se prove nada, a despeito, é claro, do espírito de porco e do espírito científico, esse sim o mais penado de todos, mas não por improvável, e sim pelo esforço de provar a hipótese estatística da separação, na amálgama primeira, do crível do incrível.
Era uma manhã de outono aquela na qual, ao decidir uma vez mais que ergueria seu corpo contra o imperativo da lei gravitacional para levá-lo ao trabalho, Patrício Aragonéz deparou-se com aquilo que fez possível a narração da sua estória: o destino. O destino que não só ele como todos nós aguardamos, mesmo que por ele nunca sejamos reconhecidos, a não ser no exato momento em que já não mais reconhecemos quem éramos, ocupados que estávamos em decifrar suas charadas que não exigem mais do que exigiriam as perguntas feitas por crianças, que pouco ou nada sabem sobre imperativos futuros pré-determinados e para quem, certamente, tudo isso soaria como faz de conta, caso não fossem elas próprias a encarnação da absoluta tolice intransitiva e impiedosamente feliz. O fato, porém, é que Patrício Aragonéz deparou-se, naquela manhã descrepuscular, com o sujeito que determinaria para sempre a sua vida.
(continua...)
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