sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

BUK, THE TERROR AND THE BUGS

certa vez houve uma mulher que enfiou a cabeça dentro do forno

o terror se torna por fim quase
suportável
mas nunca completamente

o terror se arrasta como um gato
rasteja como um gato
na minha mente

posso ouvir a risada das massas

elas são fortes
elas sobriverão

como a barata

nunca tire seus olhos da barata

você não voltará a vê-la outra vez.

as massas estão em todo lugar
sabem como fazer as coisas
elas têm raivas sadias e mortais
por coisas sadias e
mortais.

gostaria de estar dirigindo um Buick 1952 azul
ou um Buick 1942 azul-marinho
ou um Buick 1932 azul
sobre um desfiladeiro do inferno e em direção ao mar.

(Charles Bukowski)

....................................................................

barata

a barata rastejou
sobre os ladrilhos
enquanto eu estava mijando e
ao virar minha cabeça
ela enfiou o traseiro
numa fenda.
peguei o inseticida e disparei o aerossol
e disparei e disparei
e finalmente a barata saiu
e me lançou um olhar muito nojento.
então desabou dentro
da banheira e fiquei assistindo à
sua morte com um prazer sutil
pois eu pagava o aluguel
e ela não.
recolhi-a com
um tipo de papel higiênico
azul-esverdeado e joguei-a
na descarga, era tudo o que se
tinha a fazer, exceto que
nas redondezas de Hollywood e
Western temos que seguir
fazendo isso.
dizem que em algum dia essa
tribo herdará
a terra
mas faremos com que
esperem mais
alguns meses.

(Charles Bukowski)
           

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

SAIDEIRA

Ela lê, lê, lê e lê.
Obstinada e de pé.
Toma de assalto a autonomia dos meus olhos vermelhos.
Vontade de ser um texto interessante, escrevo,
como se fizesse à ilustre desconhecida
uma confissão patética de amor sincero.

Um cara se aproxima.
Gestos e palavras.
Assunto insondável.
Ela, enfim, põe de lado o livro
e, no rosto, um sorriso.

Dou mais um gole na minha cerveja
e maldigo meu estúpido coração.
      

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O VELHO NO BARRIL

O cachorro caga, mas não faz cara de nojo.
E nisso é candidato ao futuro das grandes civilizações.

O Sol nos ilumina e esquenta a todos.
Mas não dispensa, ao meio-dia,
uma lamparina
para o encontro com o homem de verdade.

O mundo inteiro
é um homérico escarro de gente rica.
Mas em suas casas, cuspir,
só se for em suas caras.

Alexandre que vá desatar seus nós górdios
e me deixe em paz
com aquilo que não pode me dar!
                       

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

COISAS QUE POUCO ENVELHECEM

Liguei para ela.
Me fiz de maioral.
Achava que precisava
(e você sabe, a verdade insiste em não passar de opinião).
Sempre acho que preciso, é ridículo.
Talvez por isso, por ser ridículo,
seja tão necessário e verdadeiro.
Eis a minha opinião.

Então é isso, o puto ia de maioral na comédia sem cura e com graça apenas para os loucos:

- Não preciso de você e você sabe disso.
- Sou dono do meu nariz, mas meus defeitos são todos seus.
- Não vou dizer que te amo, mas quero que você ouça com os meus ouvidos.
- Respeito suas opiniões, só não admito que discorde de mim.
- Essa sua maldita necessidade de ser escrotizada faz de mim um escroto prestativo de mérito duvidoso.

Desliguei.

Nem reparei,
no silêncio do meu esgoto cristão a céu aberto,
que ela não havia dado a menor bola.
Porque era realmente SUPERIOR.
Ou talvez porque, simplesmente,
não sabia fingir.

(Malditos poetas
que fingem ser sombras
só pra enxergarem no escuro!)

Liguei novamente,
humano, falho e tolo.
Fui doce e patético.
Ela, autêntica, também foi.
Fomos e nos despedimos.

Desliguei e sorri.
Irresistivelmente comovido e solitário.
Temporariamente desiludido e me sentindo
um pouco menos condenado
por simplesmente estar.
              

FORMAS NA ESCURIDÃO

Eram duas da madrugada.
Duas e quinze.
Despertei com o som do telefone, acho.
Deitado no sofá da sala escura,
eu acordado e a campainha do telefone soando
pareciam duas coisas realmente estranhas.

Então, tudo piorou,
ou melhorou.
Depende de qual lado do cérebro acordou primeiro.

Uma voz grave
de zelo e reprimenda,
assustadoramente assustada e dissimulada,
sofrendo e contendo o próprio sofrimento
e fazendo sofrer e conter e sofrer,
disse:

Está tudo bem com você?
Aonde você está?
Você está bem?
Responda!

A voz familiar me disse que, antes de me ligar, havia acabado de atender a um telefonema
e nele alguém com a minha voz
dizia estar passeando pelo cemitério
e que havia muitos mortos e mais mortos e mais mortos
e depois chorava e chorava e chorava.

Respondi, então, que estava em casa
(não tão são, talvez menos são do que salvo, talvez não)
dormindo no sofá da sala e completamente alheio
a estórias de horror.
O pesadelo era ter acordado.
Desliguei.

Mas, devo confessar,
a escuridão da sala me deixou uma suspeita de dúvida.
- Teria sido eu que liguei, enquanto fingia pra mim mesmo que dormia?
- Haveria, algum enigma que se recusa à luz do dia, manifestado sua mensagem infernal pelo serviço telefônico com tarifa reduzida?
- Seria uma mãe cobrando do seu filho que siga pelo caminho da luz que leva diretamente à prisão do seu útero empoeirado?
- Ou ainda, apenas um trote? Tão estúpido quanto as perguntas que suscita?

Enquanto curtia aquele medo e assombro sonâmbulos,
bem no ventre daquela escuridão sobrenatural,
o telefone tocou novamente.
Porra, será que é alguém com a minha voz dizendo que eu estou no cemitério cheio de mortos?
Atendi, tomado de medo e fascínio e alguma irritação de sobreaviso.

Era minha mãe, novamente.
Disse que a minha voz tinha acabado de ligar para ela, de novo,
desesperada e chorando no cemitério com medo dos mortos.
Bem, dessa vez ao menos, eu sabia que não havia sido eu.

Porra, mas se a voz parecia ser a minha,
quem garante que a voz que eu acreditei ser da minha mãe
a me ligar no meio da madrugada foi realmente emitida por ela?

Estranha mania essa que as criaturas noturnas têm
de redesenhar, ao próprio bel prazer,
suas formas na escuridão.

..............................................................................

NOITE MAIS NEGRA

Pronto: chegou a noite mais negra.
Porque em verdade existem várias gradações.
Tem um momento em que a noite é televisão,
barulho de talheres, jogo de cartas...

Tem uma hora em que a noite é abajur aceso.
Mas sempre seguindo a galope
na direção última
-  a que me encontro agora.

Converso com po espírito de meu pai.
Ele me dá conselhos, põe a mão na minha cabeça,
olha para mim com saudades e se vai.

Queria tanto lhe fazer outras perguntas...
Mas vem chegando a manhã.
e com ela, a poesia se vai.

(Rogério Skylab - "Debaixo das rodas de um automóvel")