terça-feira, 31 de janeiro de 2012

SKYLABIANDO

DEIXE ESTAR

E quando chegar o momento,
não faça nada.
O momento, puto da vida, ficará.
Ainda assim, não faça nada.

O momento, puto da vida, partirá.
Deixe que o momento vá.
Outros correrão atrás.
Continue como sempre estás.

Qualquer desejo intempestivo...
Uma vontade por menor que seja...
Fique onde está.

Parado no meio de tantos acontecimentos,
não faça nada, my love.
Deixe estar, deixe estar.

...................................................................

ENTÃO TÁ

Então tá. Laconicamente
e nem precisava tanto.
Ficou a flor do nada:
"então tá" - cujo nome científico é.

Então tá é tudo que se quis:
mera locução, pura linguagem.
Então tá o quê?
Sei lá. Então tá qualquer.

Então tá e só.
Então tá é tal que
nada que lhe preceda fica.

Então tá é tanto.
Não tem nenhuma utilidade.
Uma sombra? Então tá.

(ambos poemas de Rogério Skylab - "Debaixo das rodas de um automóvel")
                     

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

NO MAIS

 
Leitura, leitura, preguiça, silêncio, leitura.
Nem tanto. Nem tão pouco.
Do vazio, uma misteriosa piscadela de olhos.
Seduzida, a solidão convida as palavras a profanarem dicionários.
Elas, as palavras, sorriem.
Mesmo as mais cruéis dizem conhecer o amor.
Não duvido.
Mas o amor também fala por si próprio.
Nenhuma palavra, porém, reclama ou faz lamúria.     
Algumas anotações deixam um rastro.  

Nem sinal do velho rancor,
senão uma coluna de fumaça se desfazendo ao longe.
Já não comunica os pedidos de socorro
da criança que, do seu mundo imaginado, amava o mundo.
Erros e acertos.
Eis o que a fumaça diz
ao homem que abriga o menino.
Já é o bastante.

No mais,
um trago em um troço qualquer
e, quiçá...
         

ALÉM DO BEM E DO MAL - 23

    
Ninguém ainda ousou conceber a psicologia como teoria da evolução da vontade de poder. De fato, o que até hoje se escreveu  muito se parece com o sintoma de tudo aquilo que foi silenciado pela força dos preconceitos morais. Isso porque a concepção dessa psicofilosofia exige uma luta contra as resistências inconscientes no âmago do investigador – resistências essas que se valem, inclusive, de uma certa valoração moral atribuída ao coração. 
 
Por isso, claro está que não faltam perigos na busca desse tipo de conhecimento. Como, por exemplo, evitar a náusea ao se admitir que até mesmo os afetos do ódio, da inveja, da cupidez e do desejo de domínio são afetos fundamentais à economia da vida? Na verdade, há milhares de boas razões para que se mantenham afastados dessa busca aqueles que possam fazê-lo. 

Mas, por outro lado, já que o barco se desviou do seu rumo até aqui, pois bem! Cerremos os dentes! Sejamos vigilantes! Mão firme no leme! Naveguemos em linha reta por sobre a moral, esmagando o que nos resta de moralidade por essas paragens.
              

ALÉM DO BEM E DO MAL - 22

  
Os físicos falam com orgulha do mecanismo das leis da natureza. O que eles não admitem, porém, é que tais mecanismos não passam de um arranjo ingenuamente humanitário.

Já é a hora de surgir um intérprete que afirme que o curso do mundo é necessário e calculável não porque nele existam leis, mas porque as leis faltam por completo e porque toda vontade de poder não só é dotada de um o caráter geral e absoluto, como também busca realizar a si própria até as suas últimas consequências.  

É claro que esta afirmação é uma interpretação, assim como o mecanismo das leis da natureza. Mas o que faz com que os físicos se considerem portadores da verdade e se oponham a tal afirmação, senão sua vontade de poder?
      

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

ALÉM DO BEM E DO MAL - 21

 
A aspiração ao livre arbítrio (metafísico superlativo) fez o lógico criar a monstruosidade matemática chamada causa em si para depois poder se iludir, orgulhoso, com ela. Essa ilusão nada mais é do que o desejo do homem em ser essa causa primeira, tomar a inteira e última responsabilidade dos seus atos – como alguém que realmente acredita ser capaz de puxar a si mesmo pelos cabelos para sair do pântano do nada e entrar na existência –, aliviando, assim, Deus, o universo, os antepassados, o acaso e a sociedade.

No em si não há elos causais, necessidades ou ausência de liberdade psicológica. Nele, o efeito não segue a causa, não há lei alguma. Nós é que criamos as causas, a sucessão, a reciprocidade, a relatividade, o constrangimento, o número, a lei, a liberdade, a motivação e a finalidade. Daí a possibilidade da imagem de alguém erguendo a si mesmo pelos cabelos. Porém, sempre que misturamos nas coisas este mundo de sinais como se existisse um em si, não procedemos senão mitologicamente – como sempre procedemos.

De fato, o par de contrários livre arbítrio/vontade não livre é uma mitologia, pois na vida real apenas se trata de vontade forte e vontade fraca. Aquele que se vê desejando sair de uma situação de vontade não livre para uma de livre arbítrio, trai a si mesmo. Essa traição oscila entre dois prismas diferentes e extremamente íntimos: a responsabilização por tudo, por um lado e, por outro, a não responsabilização por nada. Esses são os fracos de vontade.

Nota-se, porém, que o fatalismo dos fracos de vontade se embeleza espantosamente quando eles aprendem a apresentá-lo como uma religião do sofrimento humano. A isso chamam de bom gosto.
  

ALÉM DO BEM E DO MAL - 20


Filosofar tem sido um supremo atavismo. Os mais diferentes filósofos preenchem sempre de novo um certo esquema fundamental de possíveis filosofias. Por mais independentes que se sintam, alguma coisa os empurra, uns atrás dos outros, em direção a um sistematismo congênito. Certas outras possibilidades de interpretação do mundo parecem bloqueadas.

A superficialidade da teoria da origem das idéias, de Locke, certamente padecia desse bloqueio.
        

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

HOTEL FRATERNITÉ

         
Aquele que não tem com o que comprar uma ilha
Aquele que espera a rainha de sabá na frente de um cinema
Aquele que rasga de raiva e desespero sua última camisa
Aquele que esconde um dobrão de ouro no sapato furado
Aquele que olha nos olhos duros do chantagista
Aquele que range os dentes nos carrocéis
Aquele que derrama vinho rubro na cama sórdida
Aquele que toca fogo em cartas e fotografias
Aquele que vive sentado nas docas debaixo das gaivotas
Aquele que alimenta os esquilos
Aquele que não tem um centavo
Aquele que observa
Aquele que dá socos na parede
Aquele que grita
Aquele que bebe
Aquele que não faz nada

Meu inimigo
Debruçado sobre o balcão
Na cama em cima do armário
No chão por toda parte
Agachado
Olhos fixos em mim
Meu irmão
 
(Arnaldo Antunes)
                                      

ALÉM DO BEM E DO MAL - 19

 
A despeito do que disse Schopenhauer, acredito que a vontade não é algo simples de se conhecer com clareza garantida. A vontade é mais complicada do que uma certeza imediata. É um complexo de sensações, reflexões e um afeto: o do comando. O homem que quer, não só ordena a algo dentro de si, como também obedece ao comando. Aquilo que se denomina livre arbítrio nada mais é do que o afeto de superioridade em relação àquele que deve obedecer. Esta consciência é inerente a toda vontade.

Todas as ilusões diante de um eu fixo e das falsas valorizações que se tem feito da vontade – quase concluindo que basta o querer para o agir – são consequências da pressão, constrangimento e resistência ao movimento vindo do fato de que aquele que tem vontade, comanda e obedece simultaneamente.

O livre arbítrio é o complexo estado de prazer daquele que quer, que comanda e ao mesmo tempo se identifica e se confunde com o executante, que goza o triunfo sobre o obstáculo, mas que imagina que é a sua vontade que, no fundo, triunfou – pois para ele, querer e agir são uma coisa só, como se o êxito e a execução do querer fossem efeitos do próprio querer. Porém, aquele que quer acrescenta à sensação do prazer que lhe proporciona o comando, as sensações de prazer dos instrumentos e das subvontades das almas que executam e realizam com obediência. Eis, portanto, as bases do querer: uma coletividade composta de muitas almas. Daí a necessidade de encarar a vontade sob o aspecto moral (doutrina das relações de poder das quais nasce o fenômeno vida).
        

ALÉM DO BEM E DO MAL - 18

    
Há teorias que são tão encantadoras quanto refutáveis. Esse é o caso da teoria do livre arbítrio. Vez por outra surge alguém que se sente com força para refutá-la.
  

ALÉM DO BEM E DO MAL - 17

  
Eis a superstição dos lógicos: a de que os pensamentos não ocorrem quando querem, mas quando eu quero. Isso porque os lógicos raciocinam segundo a regra gramatical: pensar é uma ação e toda ação pressupõe a existência de um sujeito... ou seja, acaba-se fazendo do eu um sujeito – e desse sujeito algo fixo e imutável.
        

sábado, 21 de janeiro de 2012

ALÉM DO BEM E DO MAL - 16

     
A ingênua criança cartesiana e a sua certeza imediata: eu penso. Mas como posso saber se o que está acontecendo é realmente pensar, e não querer ou sentir? Melhor dizendo: é o próprio pensamento que define a si mesmo como pensamento, ou a definição do que é pensamento exige sua comparação com aquilo que não é pensamento, ou seja, com o querer e o sentir? 

A comparação não seria necessária caso decidíssemos aceitar a certeza imediata do eu fixo e imutável: eu penso, eu quero, eu sinto – cada qual distinto entre si por uma causa absoluta chamada eu. Mas o que é sentir, senão ter o eu tomado pela ação dos sentimentos e sensações? O que é querer, senão ter o eu submetido ao imperativo de uma vontade? Finalmente, o que é pensar, senão ter o eu tomado por abstrações que permitiram, inclusive, a crença num eu fixo e imutável? 

Assim sendo, concluo que esse eu não é assim tão confiável. Ele não é só causa como também consequência. Ele não só determina, como também é determinado. Portanto, caberia ainda uma última pergunta àquele que tanto se orgulha da certeza daquele eu penso: por que deseja a verdade a todo preço?
  

ALÉM DO BEM E DO MAL - 15

  
Eis o princípio dos físiologistas sensualistas: nossos órgãos são obra dos nossos órgãos. Isso porque, para eles, o mundo exterior é obra dos nossos órgãos – mas o nosso corpo, e os órgãos que o compõem, também são um pequeno fragmento do mundo.

Um momento! O que, de fato, o princípio nossos órgãos são obra dos nossos órgãos é, senão uma causa em si? Causa em si? Mas, então, não era o mundo exterior obra de nossos órgãos?!
    

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

ALÉM DO BEM E DO MAL - 14

  
Platão resistia ao sensualismo da turba dos sentidos por meio de uma rede de conceitos cinzentos, pálidos e frios. Por outro lado, os físicos, seguindo instintivamente o cânone de verdades do sensualismo popular, dizem que onde o homem já não tem a ver e a tocar, nada tem a procurar.
  

ALÉM DO BEM E DO MAL - 13

  
A economia de princípios se justifica pelo mau uso platônico feito deles pela tirania da vontade de potência intelectual [isso, talvez, também aprofunde o dogmatismo moral no âmbito da vida]. Espinoza disse que o instinto de autoconservação é um instinto fundamental. Melhor seria dizer que a vontade de potência em dar razão a sua própria força é que é o instinto fundamental – e a autoconservação, apenas uma das indiretas mas freqüentes conseqüências dele.
          

ALÉM DO BEM E DO MAL - 12

 
O atomismo materialista é uma forma de metafísica (atomismo cristão da alma). O átomo fixo e eterno. A alma fixa e eterna. Ambos devem ser refutados.
 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

ALÉM DO BEM E DO MAL - 11

 
Kant orgulhava-se da sua tábua de categorias. Orgulhava-se, inclusive, de ter descoberto no homem uma nova faculdade: a dos juízos sintéticos a priori. Fazendo uso dessa sublime criação chamada por Kant de descoberta, a filosofia alemã, então, floresceu através dos jovens pensadores que se puseram, com diligência, a descobrir novas faculdades ou algo de mais orgulhoso ainda. Foi um período para lá de inocente e rico do espírito alemão, no qual cantou a fada má do romantismo. Mas eles cresceram, o sonho de descobrir o antídoto para combater o sensualismo prepotente desvaneceu-se e o que restou foi um manto de conceitos cinzentos e senis. 

Voltando a Kant, ele então se pergunta: mas como são possíveis os juízos sintéticos a priori? Ele mesmo responde: graças a uma faculdade. Mas será isso uma resposta? Não será apenas a repetição da pergunta? Tais juízos não são, justamente, uma faculdade? Daí temos, os juízos sintéticos a priori são possíveis graças aos juízos sintéticos a priori! Como não ceder aos ares da comédia vinda de tal descoberta? 

Mas já é tempo de substituir a pergunta do velho Kant por outra: por que é preciso acreditar nesses juízos? Eu mesmo respondo: para a conservação dos seres da nossa espécie, esses juízos devem ser tomados como verdadeiros, mesmo que sejam criações, e não descobertas.
         

ALÉM DO BEM E DO MAL - 10

  
Enquanto, na Europa, se debate o problema do mundo real e do mundo aparente, chego quase a sentir saudades daqueles céticos microcopistas do conhecimento. Seu instinto, que os coloca fora da realidade moderna, não foi refutado. Um pouco mais de força, de coragem, de arte e eles quereriam ir para além de tudo isso.
          

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

BLUE BIRD

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say, stay in there, I'm not going
to let anybody see
you.

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I pur whiskey on him and inhale
cigarette smoke
and the whores and the bartenders
and the grocery clerks
never know that
he's
in there.

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say,
stay down, do you want to mess
me up?
you want to screw up the
works?
you want to blow my book sales in
Europe?

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too clever, I only let him out
at night sometimes
when everybody's asleep.
I say, I know that you're there,
so don't be
sad.
then I put him back,
but he's singing a little
in there, I haven't quite let him
die
and we sleep together like
that
with our
secret pact
and it's nice enough to
make a man
weep, but I don't
weep, do
you?

(Charles Bukowski)
         

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

ALÉM DO BEM E DO MAL - 9

 
Viver de acordo com a natureza: essa é a verdade estóica. Mas a natureza é indiferente e o homem não suportaria tal indiferença, pois para nós, animais racionais, viver é ser diferente da natureza. Considerando, então, que a verdade estóica signifique, mais precisamente, viver de acordo com a vida: como poderia ser de outra maneira?! – caberia perguntar. 

O fato é que, apesar de dizerem que retiram da natureza o seu princípio, na verdade, os estóicos impõem a ela a natureza estóica criada por eles, identificando assim, tudo o que existe à sua própria imagem e semelhança, à moral estóica (belo exemplo da tirânica idéia de que o homem é a medida de todas as coisas, mesmo quando diz ter recebido da natureza o seu princípio). 

Enfim, assemelha-se mais com a tirania do que com qualquer outra coisa a relação que o estóico propõe à natureza. O próprio estóico, portanto, é um tirano de si mesmo – e deseja, igualmente ser o tirano da natureza e de tudo o mais. Mas o que não é essa tirania senão a própria filosofia metafísica e dogmática, cuja vontade de potência intelectual deseja nada menos do que criar o mundo e sua causa primeira?
 

ALÉM DO BEM E DO MAL - 8

  
Aquele que busca a verdade sempre revela as próprias convicções (seja deliberadamente ou não).
     

ALÉM DO BEM E DO MAL - 7

   
Epicuro chamou Platão de comediante por sentir despeito e inveja em relação ao porte majestoso da sua filosofia (?). Quem era, na verdade, Epicuro, que mesmo os gregos não se aperceberam?
              

JOGO DE AZAR

Notícias buscam canal.
Espremidas em beco estreito
obstruem a circulação,
ou quase.

Adiante,
inundam as tábuas que rangem
num sótão repleto de estórias.

Distante e em todos lugares
a aposta está sobre a mesa
e a sorte e o azar sobre a cama.
   

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

ALÉM DO BEM E DO MAL - 6

 
O metafísico vê a sua filosofia como o fim último da sua existência, como uma espécie de instinto do conhecimento que assume o papel de senhora legítima dos demais instintos, os impedindo de participarem da verdade por ela revelada.

Porém, a filosofia metafísica dogmática é feita de confissões espirituais, sutis memórias e intenções morais (semente donde nasce a planta completa). Tudo no metafísico dogmático é pessoal. Sua filosofia nada mais é do que o testemunho da hierarquia moral dos seus instintos mais íntimos.
       

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

ALÉM DO BEM E DO MAL - 5


A verdade do metafísico dogmático, na maioria das vezes, não passa de uma afirmação arbitrária, de um capricho, de uma intuição ou de um desejo íntimo e abstrato que ele defende com auxílio da própria razão rebuscada. Mas acusá-los de falta de sinceridade é o mesmo que vê-los aprofundar a defesa do seu preconceito a ponto de tornar cada vez mais dogmática a verdade a qual defendem. O metafísico dogmático está muito longe de possuir a perspicácia própria da consciência que confessa a si mesma a sua mentira. 

Ao invés disso, temos a hipocrisia rígida e virtuosa de Kant e o malabarismo pretensamente matemático de Spinoza.
    

ALÉM DO BEM E DO MAL - 4

 
O valor que importa em um juízo não é o da sua falsidade ou veracidade, mas o da sua serventia para a conservação da espécie. Tanto é assim que se pode mesmo dizer que juízos falsos, como as ficções da lógica, são os mais indispensáveis, de maneira que renunciá-los seria renunciar à própria vida. Portanto, estar além do bem e do mal é admitir que o não-verdadeiro é condição da afirmação da vida.
 

ALÉM DO BEM E DO MAL - 3

  
O pensamento consciente do filósofo faz parte de suas atividades instintivas. A consciência nunca se opõe, de forma decisiva, ao instinto. Assim, a liberdade com que a lógica se desdobra e opera o pensamento nunca se opõe ou exclui decisivamente as exigências fisiológicas necessárias à manutenção da vida do filósofo e de suas valorações.

Mas se o pensamento, de fato, é uma atividade instintiva do filósofo, isso quer dizer igualmente que não pode ser o homem a medida de todas as coisas.
       

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

ALÉM DO BEM E DO MAL - 2

 
O preconceito dos metafísicos dogmáticos é o de acreditar que tudo que é superior não pode ter sua origem naquilo que é supostamente inferior – mas tão somente em algo que seja tão superior quanto: no seio do ser, num deus oculto, na “coisa em si”, ou na antinomia dos valores.

Esforçando-se na seriedade com que utilizam esse preconceito, os metafísicos alcançam, então, a verdade. Para eles, superior a tudo o mais porque originada pelas operações da faculdade que fez do homem um animal superior: a razão. Mas, se a superioridade de tal origem não passar de uma valoração superficial (preconceito), qual será o fundamento do valor dessa verdade tão amada e mesmo necessária àqueles que a proclamam?
         

domingo, 8 de janeiro de 2012

ALÉM DO BEM E DO MAL - 1

  
A necessidade de saber a verdade.
Quantos problemas nos tem levantado essa ânsia de verdade!
Que perplexidade poderá provocar
o fato de nos ter levado, com essa esfinge,
a fazer perguntas?
Afinal, quem vem aqui interrogar-nos?
Que parte de nós tende para a verdade?
Nesse momento é que perguntamos pelo valor dessa vontade.
Por que não havíamos de preferir a não-verdade?
Talvez a incerteza?
Quem sabe a ignorância?
Terá sido a questão da verdade que se nos apresentou,
ou, pelo contrário,
fomos nós que nos apresentamos a ela?
Qual de nós é aqui Édipo?
Quem a esfinge?

[buscamos a verdade para resolver um problema
ou multiplicamos o problema na busca da verdade?
Édipo decifra a charada da esfinge
e, então, se torna a própria charada.
Édipo foi o primeiro metafísico dogmático!]
                           

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

ALÉM DO BEM E DO MAL - PREFÁCIO

 
Se a verdade é uma mulher, é espantosa e inesgotável a falta de tato e seriedade excessiva com que os filósofos dogmáticos tentam conquista-la. De fato, o dogmatismo é uma grandiosa e solene brincadeira de criança – talvez isso tenha parte no referido insucesso. São peças de edificações todas erguidas sobre uma certa coisa usada como primeira pedra. Edificações tão sublimes e absolutas quanto as superstições populares ou as generalizações de fatos pessoais tão restritos quanto humanos, demasiadamente humanos.

Na antiguidade, grandes edifícios foram construídos – sob custos colossais de riqueza, trabalho e perspicácia – para expressar o espanto tão humano diante da grandeza cósmica sobre a qual a astrologia se debruçou. Na filosofia ocidental, o platonismo é o edifício de grandeza máxima.

Embora não seja desejável excluí-lo dogmaticamente, foi o platonismo que criou (erro nefasto) a pedra primeira, a coisa sobre a qual a criança ergue, com peças, suas edificações: o espírito puro e o bem em si. Eu, portanto, herdo agora a força vinda da luta pela afirmação incondicional da vida (e do perspectivismo, sua condição fundamental) contra este erro.

Escárnio: teria Sócrates merecido a cicuta?