quinta-feira, 31 de março de 2011

LEMINSKI DE NOVO

   O que o amanhã não sabe,
o ontem não soube.
   Nada que não seja o hoje
jamais houve.

(Paulo Leminski)
              

quarta-feira, 30 de março de 2011

SABEDORIA LEMINSKIANA

    sorte no jogo
azar no amor
    de que me serve
sorte no amor
    se o amor é um jogo
e o jogo não é meu forte,
    meu amor?

( Paulo Leminski)
                

FORO ÍNTIMO

   Abro mão da verdade:
num instante
   todo amor me invade.
              

domingo, 27 de março de 2011

A FRESTA DA FESTA

Não tenho mais que palavras
e um mundo de alegrias e desencantos.
Não faço lamúria,
não calo o que sinto,
não tenho pouco,
mas muito e enquanto.
                                 

sábado, 26 de março de 2011

FABULÁRIO GERAL DO DELÍRIO COTIDIANO

 - me mostrem um sujeito que mora sozinho e está sempre com a cozinha suja, que eu, em 5 entre 9 casos, provarei que o sujeito é fora de série.

(Charles Bukowiski, em 27.6.67, depois da 19° garrafa de cerveja)

- me mostrem um sujeito que mora sozinho e está sempre com a cozinha limpa, que eu, em 8 entre 9 casos, provarei que o sujeito tem abomináveis qualidades espirituais.

(Charles Bukoviski, em 27.6.67, depois da 20° garrafa de cerveja)

muitas vezes o aspecto da cozinha reflete o estado do espírito. os sujeitos confusos, inseguros e maleáveis são pensadores. a cozinha da casa deles se assemelha às idéias que têm: cheias de lixo, metal encardido, impurezas, mas eles sabem disso e até acham graça. às vezes, com violenta erupção de fogo, desafiam as divindades eternas e surgem com o fulgor intenso que volta e meia chamamos de criação; noutras, meio que se embriagam e resolvem limpar a cozinha. mas tudo volta logo a cair na desordem e ficam no escuro de novo, precisando de BABO, comprimidos, orações, sexo, sorte e salvação. mas quem mantém a cozinha sempre limpa é anormal. cuidado com ele. o estado da sua cozinha equivale às idéias que tem: tudo em ordem, arrumado; permitiu que a vida o condicionasse rapidamente a um firme e resistente complexo de raciocínio defensivo e tranqüilizador. é só prestar atenção no que diz durante dez minutos para se ter certeza que tudo o que dirá pelo resto da vida será intrinsecamente inexpressivo e sempre sem graça. é um monolito. existem mais criaturas desse tipo do que de qualquer outro. portanto, quem estiver a fim de encontrar um HOMEM VIVO precisa, antes de mais nada, dar uma olhada na cozinha do cara – economiza tempo e dinheiro.  

(Charles Bukowiski)
                                         

sexta-feira, 25 de março de 2011

SEXTA-FEIRA


    Hoje é dia de festa na minha cabeça!
O tratante, a criança, o vigário,
    o tirano, o operário,
o palhaço e a condessa
    gritaram seus sonoros “SIM!”
à unidade em mim,
    aos delírios da sexta!
                             

quinta-feira, 24 de março de 2011

M, DE MEMÓRIA


     Os livros sabem de cor
milhares de poemas.
     Que memória!
Lembrar, assim, vale a pena.
     Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Tróia,
     assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.
     Um dia, o diabo veio
seduzir um doutor Fausto.
     Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.
     Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
     Rimbaud se mandou pra África,
Hemingway de miragens.
     Os livros sabem de tudo.
Já sabem deste dilema.
     Só não sabem que, no fundo,
ler não passa de uma lenda.
                                        
(Paulo Leminski)
                                

quarta-feira, 23 de março de 2011

CLAUSURA

     Certa vez
concluí, chocado:
    rimar
é viver enclausurado.
    Em seguida, porém,
me acalmei:
    minha clausura
é todo o mundo que herdei.
    Adiante, enfim,
antevi obscura rota:
    infinito périplo
que ao mundo desentorta.
       

segunda-feira, 21 de março de 2011

FATAL ISMO


   Tóxico
dióxido de carbono
   viceja, dócil,
no ócio do outono.
                               

sábado, 12 de março de 2011

CIÊNCIA DE MENINO

   O raio e o trovão
que, ainda menino, o atingiram:
   a certeza de ser capaz de aprender
qualquer coisa.

   Duro, no entanto,
foi e tem sido, agora ele percebe,
   o fascinio e a dor
do maior desafio de se aprender:
   desaprender.
                               

quarta-feira, 2 de março de 2011

BUK E BAUD


- Buk, outro baseado?! Todo esse exagero é só pra tentar encontrar o esconderijo onde sua arte se escondeu?

Buk olha para Baud e diz:

- Você por acaso tem aí um copo de uísque com soda?
- Não.
- Tem aí um copo de vodka com duas pedras de gelo?
- Não.
- Você também não tem uma caixa de cerveja gelada, tem?
- Não, não tenho.
- Charutos cubanos ou cachaça brasileira, nem pensar?
- Claro que não.
- Que dizer de perfume barato, inseticida ou xota piscando alerta vermelho?
- Bukowiski, Bukowisk... – Baud sacode a cabeça de um lado para o outro, negativamente.
- Então, a resposta é “SIM”, monsieur Baudelair: outro baseado! – Buk dá uma baforada.

Ambos riem por motivos opostos sem, contudo, emitir som algum. Em seguida, antes que Baud, virando-se, completasse sua clássica retirada cheia de infinita superioridade...

- Apropósito, Baud.... – emenda Buk.
- Sim?
- Dá uma olhadinha aqui dentro das minhas calças e vê se você encontra, para mim, o esconderijo da minha arte.

Baud, enfim, completa sua retirada. Agora, porém, cheia de infinita infâmia.