quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

JOANA FRANCESA



Tu ris, tu mens trop
Tu pleures, tu meurs trop
Tu as le tropique
Dans le sang et sur la peau
Je me dit loucura e de torpor
Já é madrugada
Acorda acorda acorda acorda

Mata-me de rir
Fala-me de amor
Songes et mensonges
Sei de longe e sei de cor
Je me dit prazer e de pavor
Já é madrugada
D'accord d'accord d'accord d'accord

Vem molhar meu colo
Vou te consolar
Vem, mulato mole
Dançar dans mes bras
Vem, moleque me dizer
Onde é que está
Ton soleil, ta braise

Quem me enfeitiçou
O mar, marée, bateau
Tu as le parfum
De la cachaça e de suor
Je me dit preguiça e de calor
Já é madrugada
Acorda acorda acorda acorda

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A OBRA-PRIMA IGNORADA

"O sol é do tamanho de um pé"

(Heráclito de Éfeso)

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Imaginem uma testa calva, abaulada, proeminente, projetando-se sobre um nariz pequeno e achatado, de ponta arrebitada como o de Rabelais ou Sócrates; uma boca risonha e enrugada, um queixo curto altivamente erguido, ornado com uma barba grisalha aparada em forma de ponta; olhos verde-mar, aparentemente embaciados pela idade, mas que, pelo contraste com o branco nacarado em que flutuava a pupila, deviam por vezes lançar olhares magnéticos durante um acesso de raiva ou entusiasmo. 

Trabalhava com um ardor tão apaixonado, que o suor gotejava em sua fronte despojada, e era tão rápido, com pequenos movimentos tão impacientes, tão sacudidos, que ao jovem Poussin parecia que havia no corpo do bizarro personagem um demônio agindo por suas mãos, tomando-as de modo fantástico e à sua revelia: o brilho sobrenatural dos seus olhos, suas convulsões que pareciam resultar de uma resistência, davam àquela idéia uma aparência de verdade que atuava, decerto, sobre uma imaginação jovem. Ele ia dizendo:"Paf, paf, paf! É assim que isso se espalha, meu rapaz!Vamos, meus toquezinhos, deem uma arruivada nesse tom glacial! Vamos lá! Pon! Pon! Pon!", ele dizia, aquecendo as partes onde notara um defeito de vitalidade, fazendo sumir, com umas poucas placas de cor, as diferenças de temperamento e restabelecendo a unidade de tom que uma ardente egípcia pedia.

- ...como uma porção de ignorantes, que acham que desenham direito só porque traçam linhas cuidadosamente precisas, não marquei rispidamente as bordas externas da minha figura, acentuando cada detalhe da anatomia, pois o corpo humano não acaba com linhas. Nisso os escultores se aproximam melhor da verdade do que nós. A natureza comporta uma série de volumes que se envolvem uns dentro dos outros. Rigorosamente falando, o desenho não existe! Não ria, meu rapaz! Por estranhas que lhe pareçam as palavras, um dia você há de entender os motivos. A linha é o meio pelo qual o homem percebe o efeito da luz sobre os objetos, mas não existem linhas na natureza, na qual tudo é cheio: é modelando que se desenha, ou seja, quando se separa as coisas do meio em que elas se encontram, a distribuição da luz é que cria a aparência do corpo! De modo que não fixei os lineamentos, espalhei pelos contornos uma névoa de meias-tintas louras e quentes que fazem com que não se consiga apontar precisamente o lugar onde os contornos se encontram com os fundos. De perto, o trabalho parece meio esponjoso, carece de precisão, mas à distancia de dois passos tudo se afirma, se detém, se destaca; o corpo gira, as formas ficam salientes, sente-se o ar circular ao redor. Ainda não estou satisfeito, porém; tenho dúvidas. Talvez não devesse desenhar apenas um traço e fosse melhor começar uma figura pelo meio, prendendo-se primeiramente às saliências mais iluminadas para depois passar para as porções mais sombrias. Não é assim que age o sol, esse divino pintor do universo? Oh! Natureza, natureza! Quem alguma vez já te surpreendeu em tuas fugas? Olhe, o excesso de ciência, tanto quanto o de ignorância, desemboca em negação. Duvido da minha obra!

Voltando-se para a frente do pretenso quadro, disse Poussin:
- Só o que vejo aí são cores confusamente amontoadas e contidas por uma profusão de linhas esquisitas formando uma muralha de pintura.
- Estamos enganados, olhe só - retrucou Porbus.

Ao se aproximarem, avistaram num canto da tela a ponta de um pé descalço saindo daquele caos de cores, tons, nuances indecisas, uma espécie de névoa sem forma, mas um pé delicioso, um pé vivo! Ficaram petrificados de admiração diante daquele fragmento saído de uma incrível, lenta e paulatina destruição. Aquele pé surgia ali feito o torso de alguma Vênus de mármore de Paros aparecendo entre os escombros de uma cidade incendiada.

(Honoré de Balzac, A obra-prima ignorada, com adaptações)