segunda-feira, 17 de setembro de 2012

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Tudo que sabemos é uma impressão nossa, e tudo que somos é uma impressão alheia, melodrama de nós, que, sentindo-nos, nos constituímos nossos próprios espectadores activos, nossos deuses por licença da Câmara.

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Saber que será má a obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. Essa planta é a alegria dela, e também por vezes a minha. O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou me não basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida.

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Em nada me pesa ou em mim dura o escrúpulo da hora presente. Tenho fome de extensão do tempo, e quero ser eu sem condições.

(Fernando Pessoa, Livro do Desassossego)