domingo, 31 de julho de 2011

PLANETA MELANCOLIA-VON-TRIER

 
A vida não é um Youtube de ensaio. É  palco, erro e improviso.

A melancolia aprisiona o indivíduo, que, mesmo encarcerado, faz-se profeta e decreta fatalmente o fim da humanidade. Desterrada do tempo presente, a (in)consciência do melancólico se embriaga de passado e lança a impossibilidade de alterá-lo para o futuro, na forma de uma irremediável fatalidade.

Aqui, mais valem as palavras do profeta Leminski:

   O que o amanhã não sabe,
o ontem não soube.
   Nada que não seja o hoje
jamais houve.

O que a (in)consciência do melancólico, sujeito em estado narcísico-fatalista, não prevê é justamente o que nos cantou Waly:

Esgotado o eu, resta o espanto do mundo não ser
levado junto de roldão.

O fim da humanidade, para o melancólico, é o fim do melancólico para a humanidade.
                                                                                

sexta-feira, 29 de julho de 2011

CONVERSAS ALÉM

à Daniel do Vale

Cada um guarda a lembrança que quer ou pode. A minha:

I
- O suicida é o cara que erra por amar muito a vida.
- (sorriso no canto da boca)

II
Filme "As Horas".
Virginia Wolf, na estação do trem, vê chegar seu marido para levá-la de volta para casa de campo. Diante dos apelos dele, dizendo que sua frágil condição não suportaria caso ela voltasse para Londres, ela responde:
- Leonard, não se encontra paz fugindo da vida.

III
Ainda "As Horas", desta vez, respondendo ao marido, Leonard, quando este lhe pergunta o motivo que a leva a matar um personagem. Ela responde:
- Para que os outros personagens valorizem a vida.

"Aceitar o inevitável para transformar o inaceitável."
                                                        

SALA SUNYATA

Ó, tábula rasa.
nove vezes nada, noves fora nada.
Sol nulo dos dias vãos. Lua nula das noites vãs.

Eis que atingi o ponto Nadir.
Se todas as coisas nos reduzem a

                               ZERO
é dai do
                               ZERO

                               que temos que partir.

(Waly Salomão)
            

domingo, 24 de julho de 2011

REDESCOBRIR


Como se fora a brincadeira de roda
Memórias!
Jogo do trabalho na dança das mãos
Macias!
O suor dos corpos na canção da vida
Histórias!
O suor da vida no calor de irmãos
Magia!

Como um animal que sabe da floresta
Memórias!
Redescobrir o sal que está na própria pele
Macia!
Redescobrir o doce no lamber das línguas
Macias!
Redescobrir o gosto e o sabor da festa
Magia!

Vai o bicho homem fruto da semente
Memórias!
Renascer da própria força própria luz e fé
Memorias!
Entender que tudo é nosso sempre esteve em nós
História!
Somos a semente, ato, mente e voz
Magia!

Não tenha medo meu menino povo
Memórias!
Tudo principia na própria pessoa
Beleza!
Vai como a criança que não teme o tempo
Mistério!
Amor se fazer é tão prazer
Que é como fosse dor
Magia!

Como se fora brincadeira de roda
Memórias!
Jogo do trabalho na dança das mãos
Macias!
O suor dos corpos na canção da vida
Histórias!
O suor da vida no calor de irmãos
Magia!

(Gonzaguinha)
                        

sábado, 23 de julho de 2011

SOBRE MEUS OMBROS, O TEMPO DE DRUMMOND

Chega o tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.

Pouco importa que venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as dicussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adiante morrer.
Chegou o tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

O poeta
declina de toda responsabilidade
na marcha do mundo capitalista
e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas
pretende ajudar a destruí-lo
como uma pedreira, uma floresta,
um verme.

(Carlos Drummond de Andrade - dos poemas "Nosso Tempo" e "Os ombros suportam o mundo")
                            

CHICO BUARQUE

TAL QUAL PAUL VÁLERY

(...)
Válery não é arremedo de escudo
para o acuado remoedor do ar do medo:
um poema deve ser uma festa do intelecto.
E poemas e festa e intelectos implicam riscos.
Cuidado para não escrever:
ali, onde tudo não é senão ordem e beleza,
luxo, calma e volúpia.
Mas nada de emenda
pois este paraiso-artefato
só se atinge de fato no poema.
Por que proibi-lo de ser o delírio das sensações?
Por que propor, ó fedelho, um cinto de castidade
e uma presilha para uma donzela-musa
deflorada e redeflorada cuja virgindade
só se recompõem por gosto de ser
deflorada e redeflorada mais?
Às vezes ela clama para ser estuprada
mas não por você que fede a cueiros.
(...)

(Waly Salomão)
                        

sexta-feira, 22 de julho de 2011

TEMPO REI

Não me iludo
Tudo permanecerá do jeito
que tem sido
Transcorrendo
Transformando
Tempo e espaço navegando
todos os sentidos

Pães de Açúcar
Corcovados
Fustigados pela chuva
e pelo eterno vento

Água mole
Pedra dura
Tanto bate que não restará
nem pensamento

Tempo Rei!
Oh Tempo Rei!
Oh Tempo Rei!
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, oh pai, o que eu ainda não sei
Mãe Senhora do Perpétuo
Socorrei!

Pensamento!
Mesmo fundamento singular
do ser humano
De um momento para o outro
Poderá não mais fundar nem gregos, nem baianos

Mães zelosas
Pais corujas
Vejam como as águas de repente
ficam sujas

Não se iludam
Não me iludo
Tudo agora mesmo pode estar
por um segundo

Tempo Rei!
Oh Tempo Rei!
Oh Tempo Rei!
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, oh Pai, o que eu, ainda não sei
Mãe Senhora do Perpétuo
Socorrei!
                       
(Gilberto Gil)
                     

quinta-feira, 21 de julho de 2011

JOGADA DE MESTRE

O Tempo é O Jogo,
      o tabuleiro,
    a recompensa.

Vindo à luz,
      estás jogando:
duras mortes,
      permanêcias,
saltos trilhos,
      mil engodos,
blefe, apostas,
      convivência.

O Tempo é o Jogo.   
      Só o Tempo
   dá ciência.
           

domingo, 17 de julho de 2011

CARTA ABERTA A JOHN ASHBERY

"A memória é uma ilha de edição
(...)
Esgotado o eu, resta o espanto do mundo não ser
levado junto de roldão.
(...)
A vida não é uma tela e jamais adquire
o significado estrito
que se deseja imprimir nela.
Tampouco é uma estória em que cada minúcia
encerra uma moral.
Ela é recheada de locais de desova, presuntos,
liquidações, queimas de arquivos,
divisões de capturas,
apagamentos de trechos, sumiços de originais,
grupos de extermínios e fotogramas estourados."
(...)

(Waly Salomão)

sexta-feira, 15 de julho de 2011

DIÁSPORA















Então fala-me do amor
Esse que se entrega de graça
Esse que rima com dor e flor

Brotado de terra baldia
Banhado pela noite vagante
E pelo sol do meio dia
Da onde veio, senão do lugar pra onde foi?

Diz-me de peito aberto,
- Se é que as flores realmente se abrem -,
do mistério do que veio antes ou depois

Quanto custa o quanto cobra?
Quanto deseja e se acaso sobra
Uma sombra de calmaria de dia de verão

Diz pra onde vão
Os dias dados pela alegria.
Pra correnteza em hemorragia?
Ou pro zelo perdido de quem lutou,
Viveu, cresceu e nem sabia?

Pois saiba!
Sofrimento fronteiriço à raiva não respeita bandeiras
Mas a minha foi fincada à beira
De um precipício de metáforas:
Diz-me se o amor é o faraó-deus onipotente,
Ou todo um povo em diáspora?
                   

quinta-feira, 14 de julho de 2011

RODOVIA-IMAGINAÇÃO

    Fim da linha?
Extraviada via
    de mão dupla,
pé duplo,
    tronco único
e cabeça na contramão,
    preste bem a atenção:
és a extra-via
    que vai muito além da linha
na rodovia-imaginação.
       

terça-feira, 12 de julho de 2011

AMANHECENDO

    Ah, o verbo ser!
Conhece-se quem cunha o ser.
    Mas cunha
co’a unha que crava
    e estronda a aldrava
do amanhã-e-ser.
    

VALEI-ME, WALY!

DEVENIR, DEVIR

Término de leitura
de um livro de poemas
não pode ser o ponto final.

Também não pode ser
a pacatez burguesa do
ponto seguimento.

Meta desejável:
alcançar o
ponto de ebulição.

Morro e transformo-me.

Leitor, eu te reproponho
a legenda de Goethe:
Morre e devém

Morre e transforma-te.

(Waly Salomão)  

sábado, 9 de julho de 2011

THE MAN'S TOO STRONG


I'm just an aging drummer boy
And in the wars I used to play
And I've called the tune
To many a torture session
Now they say I am a war criminal
And I'm fading away
Father please hear my confession

I have legalised robbery

Called it belief
I have run with the money
I have hid like a thief
I have re-written history
With my armies of my crooks
Invented memories
I did burn all the books
And I can still hear his laughter
And I can still hear his song
The man's too big
The man's too strong

Well I have tried to be meek

And I have tried to be mild
But I spat like a woman
And I sulked like a child
I have lived behind walls
That have made me alone
Striven for peace
Which I never have known
And I can still hear his laughter
And I can still hear his song
The man's too big
The man's too strong

Well the sun rose on the courtyard

And they all did hear him say
You always was a Judas
But I got you anyway
You may have got your silver
But I swear upon my life
Your sister gave me diamonds
And I gave them to your wife '
Oh Father please help me
For I have done wrong
The man's too big
The man's too strong

SONHO IMPOSSÍVEL

Sonhar mais um sonho impossível
Lutar quando é fácil ceder
Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender

Sofrer a tortura implacável
Romper a incabível prisão
Voar num limite improvável
Tocar o inacessível chão

É minha lei, é minha questão
Virar esse mundo
Cravar esse chão
Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz
E amanhã, se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu delirar
E morrer de paixão

E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão

Composição: Joe Darion, Mitch Leigh (versão em português de Chico Buarque)
  

quarta-feira, 6 de julho de 2011

CANTIGA

    Tive medo.
Ah, se tive!
    Nem mesmo os deuses sabem
o medo de quem vive e revive.
    E revive e revive de novo
o novo da antiga cantiga
    que canta e reconta este conto
rabiscado com letras e vida.
    Tive medo.
Ah, se tive!
    Só não teve 
quem não esteve.
    Eu estive.
                  

ESOTÉRICO

Para que cante alto quem é de cantar

 
Não adianta nem me abandonar
Porque mistério sempre há de pintar por aí
Pessoas até muito mais vão lhe amar
Até muito mais difíceis que eu prá você
Que eu, que dois, que dez, que dez milhões, todos iguais
Até que nem tanto esotérico assim
Se eu sou algo incompreensível, meu Deus é mais
Mistério sempre há de pintar por aí
Não adianta nem me abandonar (não adianta não)
Nem ficar tão apaixonada, que nada
Que não sabe nadar
Que morre afogada por mim



(Gilberto Gil)