quarta-feira, 28 de agosto de 2013

GUERRA

guerra aqui, agora, lá fora
entre a eterna vida que não passa
e o indiferente instante que foi embora
entre o que veio antes e negou-se depois
entre a solidão e a vida a dois
entre a esperança, mãe do desespero
entre o abandono, o apego e o zelo - 
consolo, conselho
guerra a pelo menos dois mil anos
entre esta manhã e o engano
entre meus olhos castanhos
e o silêncio do entardecer
    
  

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

DA SÉRIE "VANDALISMO POÉTICO"

depoimento de um recente preso político em sua defesa: 

Sr. representante do Estado,
as nossas pedras
não são desacato
apenas as estamos
tirando
do sapato.

(Beatriz Provasi)
  

domingo, 7 de julho de 2013

PINTURA RUPESTRE

  você,
vinda da rua
  chegada com a intensidade
de quem caminha nua
  entre grito, pedra e fúria -
repleta - paixão, loucura;

  você,
dona dum ritmo
  que transborda, marcha e cresce
arde a leitura feito prece
  aos desvairados da taverna
que bebem à sua fera;

  você,
que fala, escreve e vive
  e acorda e sonha ainda
seja, você, bem-vinda.
             

domingo, 30 de junho de 2013

A CASA-LAR

  A casa,
lar do tempo.
  Acasalamento.
  
 

domingo, 23 de junho de 2013

NOTICIÁRIO

os vândalos atiraram bombas de gás
os vândalos atiraram balas de borracha
os vândalos atiraram spray de pimenta na cara
e atiraram até mesmo com armas de fogo
os vândalos cercaram todas as ruas
os vândalos chegaram com carros, cavalos, escudos
helicópteros, redes de TV
os vândalos NÃO QUEBRARAM TUDO
quebraram TODOS
há muitos anos
os vândalos andam saqueando
os nossos bolsos
os vândalos acham que vão nos sangrar
como quem quebra um vidro
mas um vidro quebrado
não sente a dor de ser quebrado
um vidro não reage
que nos aguardem os vândalos que estão no poder:
nós reagimos!


(Beatriz Provasi)
 

sábado, 15 de junho de 2013

VITÓRIA


Mil cabeças
o tempo louvou
Em braços
alados
envolto
voou
       

sexta-feira, 14 de junho de 2013

FELIZ COINCIDÊNCIA


   qualquer coincidência
é mera semelhança
   enquanto o quixote pensa
sancho coça a sancha pança

   todas as coisas sejam iguais
que o vermelho seja verde
   o azul seja amarelo
e sempre seja nunca mais

......................................................

   leite, leitura,
letras, literatura,
   tudo o que passa,
tudo o que dura
   tudo o que duramente passa
tudo o que passageiramente dura
   tudo, tudo, tudo,
não passa de caricatura
   de você, minha amargura
de ver que viver não tem cura

(Paulos Leminskis)
 

sexta-feira, 7 de junho de 2013

MANHÃ

  Só o que adere
fere
  desfere
o golpe
  na pele
de quem ama
  a manha
de ouvir
  a entranha
estranha
  manhã
num re-sinto
  co'infindos
alqueires
 

quinta-feira, 6 de junho de 2013

A CORDA DO

  Disse-me
sem cara na vergonha
  mais louca é a loucura
que não sonha.
 

domingo, 2 de junho de 2013

quarta-feira, 29 de maio de 2013

CIVILIZAÇÃO


  Lógica
ardil
  da mágica
ao vazio


terça-feira, 28 de maio de 2013

FRONDE



  Fui parido
em galho penso, 
  dançarino 
ramo ao vento.
  Fruto em queda,
baque intenso.
  Nasci ponto,
cresci extenso.
  A raiz 
que ao céu se esmera,
  guarda a fronde
que a terra enterra.
  

segunda-feira, 27 de maio de 2013

ESTIAGEM

tudo que possa
  é mais que poça


 

domingo, 26 de maio de 2013

MARÉ

  Ritmo, o mesmo
Íntimo gracejo
  cíclico desejo

  ora vejo
ora velejo
 


sábado, 25 de maio de 2013

VEM-TE


Vento venta entre
ventre
em que me esquente
    


sexta-feira, 24 de maio de 2013

MO(VI)MENTO

 Não retenho
um só momento
 momento só
soçobra lento


   

quinta-feira, 23 de maio de 2013

VOLTA AO MUNDO


  Sol amarelo
elo de amar
  o mistério que há
entre dois hemisférios

terça-feira, 14 de maio de 2013

...OU VISTES?


Interrogação?
  Orelha da gramática!
Sinuosa exclamação
  metade coração
metade
  charada gráfica.
              

sexta-feira, 10 de maio de 2013

CREPÚSCULO DA JUVENTUDE

então, o daemônio respondeu:
essa é a tua razão,
ser para sempre a tua escolha.
Infância. Juventude. Crepúsculo.
Mas saiba, só os maduros morrem.

Disse:
E as crianças e os jovens?

Respondeu:
Vivem e matam, ora bolas.

Coro:
De surpreendente nada havia.
O tempo é a grande guilhotina
que cria o novo que envelhece,
e para sempre mata o que cria.

Olhei, de olhos fechados, o daemônio.
Ele me olhava e sorria.

Disse:
O que pode a infância contra o crepúsculo?

Respondeu:
Ser espelho invertido.
Um vida, um morte.
Um azar, um sorte.
Um luto, um melancolia.

Disse:
E o jovem, onde fica?

Respondeu, sobrancelha erguida:
Fica?

...tic, tac, tic, tac, tic, tac, tic, tac, tic...

Disse:
Ok! Dê-me o crepúsculo.

Respondeu, sorrindo:
Para isso, aprenda a ciência.

Disse:
Ciência?

Respondeu:
Sim, paciência.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

JOANA FRANCESA



Tu ris, tu mens trop
Tu pleures, tu meurs trop
Tu as le tropique
Dans le sang et sur la peau
Je me dit loucura e de torpor
Já é madrugada
Acorda acorda acorda acorda

Mata-me de rir
Fala-me de amor
Songes et mensonges
Sei de longe e sei de cor
Je me dit prazer e de pavor
Já é madrugada
D'accord d'accord d'accord d'accord

Vem molhar meu colo
Vou te consolar
Vem, mulato mole
Dançar dans mes bras
Vem, moleque me dizer
Onde é que está
Ton soleil, ta braise

Quem me enfeitiçou
O mar, marée, bateau
Tu as le parfum
De la cachaça e de suor
Je me dit preguiça e de calor
Já é madrugada
Acorda acorda acorda acorda

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A OBRA-PRIMA IGNORADA

"O sol é do tamanho de um pé"

(Heráclito de Éfeso)

.....................................................................

Imaginem uma testa calva, abaulada, proeminente, projetando-se sobre um nariz pequeno e achatado, de ponta arrebitada como o de Rabelais ou Sócrates; uma boca risonha e enrugada, um queixo curto altivamente erguido, ornado com uma barba grisalha aparada em forma de ponta; olhos verde-mar, aparentemente embaciados pela idade, mas que, pelo contraste com o branco nacarado em que flutuava a pupila, deviam por vezes lançar olhares magnéticos durante um acesso de raiva ou entusiasmo. 

Trabalhava com um ardor tão apaixonado, que o suor gotejava em sua fronte despojada, e era tão rápido, com pequenos movimentos tão impacientes, tão sacudidos, que ao jovem Poussin parecia que havia no corpo do bizarro personagem um demônio agindo por suas mãos, tomando-as de modo fantástico e à sua revelia: o brilho sobrenatural dos seus olhos, suas convulsões que pareciam resultar de uma resistência, davam àquela idéia uma aparência de verdade que atuava, decerto, sobre uma imaginação jovem. Ele ia dizendo:"Paf, paf, paf! É assim que isso se espalha, meu rapaz!Vamos, meus toquezinhos, deem uma arruivada nesse tom glacial! Vamos lá! Pon! Pon! Pon!", ele dizia, aquecendo as partes onde notara um defeito de vitalidade, fazendo sumir, com umas poucas placas de cor, as diferenças de temperamento e restabelecendo a unidade de tom que uma ardente egípcia pedia.

- ...como uma porção de ignorantes, que acham que desenham direito só porque traçam linhas cuidadosamente precisas, não marquei rispidamente as bordas externas da minha figura, acentuando cada detalhe da anatomia, pois o corpo humano não acaba com linhas. Nisso os escultores se aproximam melhor da verdade do que nós. A natureza comporta uma série de volumes que se envolvem uns dentro dos outros. Rigorosamente falando, o desenho não existe! Não ria, meu rapaz! Por estranhas que lhe pareçam as palavras, um dia você há de entender os motivos. A linha é o meio pelo qual o homem percebe o efeito da luz sobre os objetos, mas não existem linhas na natureza, na qual tudo é cheio: é modelando que se desenha, ou seja, quando se separa as coisas do meio em que elas se encontram, a distribuição da luz é que cria a aparência do corpo! De modo que não fixei os lineamentos, espalhei pelos contornos uma névoa de meias-tintas louras e quentes que fazem com que não se consiga apontar precisamente o lugar onde os contornos se encontram com os fundos. De perto, o trabalho parece meio esponjoso, carece de precisão, mas à distancia de dois passos tudo se afirma, se detém, se destaca; o corpo gira, as formas ficam salientes, sente-se o ar circular ao redor. Ainda não estou satisfeito, porém; tenho dúvidas. Talvez não devesse desenhar apenas um traço e fosse melhor começar uma figura pelo meio, prendendo-se primeiramente às saliências mais iluminadas para depois passar para as porções mais sombrias. Não é assim que age o sol, esse divino pintor do universo? Oh! Natureza, natureza! Quem alguma vez já te surpreendeu em tuas fugas? Olhe, o excesso de ciência, tanto quanto o de ignorância, desemboca em negação. Duvido da minha obra!

Voltando-se para a frente do pretenso quadro, disse Poussin:
- Só o que vejo aí são cores confusamente amontoadas e contidas por uma profusão de linhas esquisitas formando uma muralha de pintura.
- Estamos enganados, olhe só - retrucou Porbus.

Ao se aproximarem, avistaram num canto da tela a ponta de um pé descalço saindo daquele caos de cores, tons, nuances indecisas, uma espécie de névoa sem forma, mas um pé delicioso, um pé vivo! Ficaram petrificados de admiração diante daquele fragmento saído de uma incrível, lenta e paulatina destruição. Aquele pé surgia ali feito o torso de alguma Vênus de mármore de Paros aparecendo entre os escombros de uma cidade incendiada.

(Honoré de Balzac, A obra-prima ignorada, com adaptações)
                 

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

THE POEM

they all keep publishing poems
but is doubtful what a
poem can really accomplish.

centuries of poems
and we're back to the
starting point.

like philosophy, history,
medicine, science, poems seem to
alter things,
seem to lead toward a way
out
then falter against the
changing currents and increasing
odds.

a poem is no better than a
good can opener,
a spare tire,
or
aspirin for a
headache.

the poem isn't much
but let me tell you
if I hadn't discovered
it
I would be dead
or
you would be dead
or many people
would be
dead
or
if not dead
then horribly
multilated
in one sense or
another.

still, a poem can only
be a poem.

lines like this

floating on a page

burning holes in the face of
death

twisting the cap off tube
of
night

following the dog of summer
to the end of his
rope.

huh?

(Charles Bukowski, O Amor é Tudo Que Nós Dissemos Que Não Era)
         

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

OPACIDADES

Santa Joana d'Arco na fogueira, últimos momentos

das inquietações
eis o calor intenso:
homenageia o carrasco o grito
ou o silêncio?
                

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

O ABSURDO 2

Em tom de troça, muitas vezes se cita Schopenhauer, que fazia o elogio do suicídio diante de uma mesa bem servida. Mas não vejo nisto motivo para brincadeira. Esta maneira de não levar o trágico muito a sério não é tão grave assim, mas ela acaba condenando o seu homem.

No apego de um homem a sua vida há algo mais forte que todas as misérias do mundo. O juízo do corpo tem o mesmo valor que o do espírito, e o corpo recua diante do aniquilamento. Cultivamos o hábito de viver antes de adquirir o de pensar. Nesta corrida que todos os dias nos precipita um pouco mais em direção à morte, o corpo mantém uma dianteira irrecuperável.

(Albert Camus, O Mito de Sísifo)
          

GRITE QUANDO SE QUEIMAR

O que o mantinha fora da sargeta era pura sorte, e a sorte jamais durava. Bem, era uma pena aquele negócio da Lu, mas Lu era uma vencedora. Esvaziou o copo e deitou-se. Pegou Resistência, Rebelião e Morte, de Camus... leu algumas páginas. Camus falava de angústia, terror, e da miserável condição humana, mas falava disso de uma forma tão cômoda e floreada... a linguagem... aquele ali achava que nada afetava a ele ou a sua literatura. Em outra palavras, era como alguém que acabou de concluir um lauto jantar de bife com batatas e salada, e depois enxaguou com uma garrafa de bom vinho francês. A humanidade podia ter andado sofrendo, mas ele não. Um sábio, talvez, mas Henry preferia  alguém que gritasse quando se queimasse. Largou o livro no chão e tentou dormir.

(Charles Bukowski, Numa Fria)
             

O ABSURDO

Eu dizia que o mundo é absurdo, mas ia muito depressa. Este mundo não é razoável em si mesmo, eis tudo o que se pode dizer. Porém o mais absurdo é o confronto entre o irracional e o desejo desvairado de clareza cujo apelo ressoa no mais profundo do homem. O absurdo depende tanto do homem quanto do mundo. Por ora, é o único laço entre os dois.

Se considero verdadeiro esse absurdo que rege minhas relações com a vida, se me deixo penetrar pelo sentimento que me invade diante do espetáculo do mundo, pela clarevidência que me impõe a busca de uma ciência, devo sacrificar tudo a tais certezas e encará-las de frente para poder mantê-las. Sobretudo, devo pautar nelas minha conduta e perseguí-las em todas as suas consequências. Falo aqui de honestidade.

Neste ponto do seu caminho, o homem se encontra diante do irracional. Sente em si o desejo  de felicidade e de razão. O absurdo nasce desse confronto entre o apelo humano e o silêncio irracional do mundo. Isso é o que não devemos esquecer. A isto é que devemos nos apegar, porque toda a consequência de uma vida pode nascer daí. O irracional, a nostalgia humana e o absurdo que surge do seu encontro, eis os três personagens do drama que deve necessariamente acabar com toda a lógica de que uma vida é capaz.

Se julgo que uma coisa é verdadeira, devo preservá-la. Se me disponho a procurar a solução para um problema, ao menos não posso escamotear com essa mesma solução um dos termos do problema. O único dado para mim é o absurdo. A questão é saber como livrar-se dele e se o suicídio deve ser deduzido desse absurdo. A primeira, e no fundo, única condição das minhas investigações é preservar aquilo que me oprime, respeitando em consequência o que julgo essencial nele. Acabo de defini-lo como uma confrontação e uma luta sem trégua.

E levando ao extremo essa lógica absurda, devo reconhecer que tal luta supõe a ausência total de esperança (que nada tem a ver com o desespero), a recusa contínua ( que não deve ser confundida com renúncia) e a insatisfação consciente (que não poderia se assimilar com a inquietude juvenil). Tudo o que destrói, escamoteia ou desfalca essas exigências (e em primeiro lugar a admissão que destrói o divórcio) arruína o absurdo e desvaloriza a atitude que pode então ser proposta. O absurdo só tem sentido na medida em que não seja admitido.

Vamos morrer, escapar pelo salto, reconstruir uma casa de ideias e de formas à nossa medida? Ou, ao contrário, vamos manter a aposta dilacerante e maravilhosa do absurdo?

Neste ponto, o problema se inverte. Anteriormente tratava-se  de saber se a vida devia ter um sentido para ser vivida. Agora parece, pelo contrário, que será tanto melhor vivida quanto menos sentido tiver. Viver uma experiência, um destino, é aceitá-lo plenamente.

Para um homem sem antolhos não há espetáculo mais belo que o da inteligência às voltas com uma realidade que a supera. O espetáculo do orgulho humano é inigualável. Compreendo então por que as doutrinas que me explicam tudo ao mesmo tempo me enfraquecem.

O absurdo me esclarece o seguinte ponto: não há amanhã. Esta é, a partir de então, a razão da minha liberdade profunda.

Agora, trata-se viver.

(Albert Camus, O Mito de Sísifo. Trechos adaptados)