quinta-feira, 20 de outubro de 2011

domingo, 16 de outubro de 2011

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

MORTE E VIDA SEVERINA


...Quando eu rio
rio seco
como é seco o sertão
o meu riso
é uma fenda
escavada no chão...

(João Cabral de Melo Neto e Chico Buarque)
    

domingo, 9 de outubro de 2011

ECOS DE UM DEBATE

Prólogo:

Lendo sobre teatro, cheguei ao Sistema Coringa do Boal. Nele, mais precisamente na peça “Arena conta Tiradentes”, existia a coexistência de formas distintas de atuação. O método de Stanilávski era usado para promover a aproximação do ator, que desempenharia o papel de Tiradentes, com o seu personagem. Apenas ele o interpretaria, lhe dando unidade e individualidade psicológica e buscando a empatia ilusionista com o público.
Já o método utilizado para que os outros atores narrassem os demais personagens era o do distanciamento brechtiniano. Dando um passo atrás, para não permitir que os personagens se sobrepusessem aos atores, eles narrariam mais do que interpretariam seus papéis, introduzindo assim, no espaço aberto, a possibilidade à reflexão racional, ladeada ao sentimento emocional naturalmente decorrente da empatia ilusionista de uma encenação. Para aumentar o espaço racional e, assim, diminuir a regência emocional da recepção do público, todos os personagens, com exceção de Tiradentes, seriam narrados por todos os atores, em rodízio, com exceção do intérprete do protagonista.
Esse “ecletismo” é descrito num livro, por Décio de Almeida Amaral, através da seguinte fala de Boal: “Brecht disse que um povo feliz não precisa de heróis. Estamos tristes, por isso precisamos de Tiradentes!”. Eram os idos de 1967.
Fui caminhar na praia. O Sistema Coringa de Boal, então, atuou como bem entendeu sobre minhas fantasias, lançando-me a léguas de séculos atrás, mais exatamente, num vale onírico aonde dois homens convivem, mesmo que nunca tenham, de fato, convivido. Heráclito e Parmênides.
Ecos de um debate:
Heráclito e Parmênides caminham lado a lado no mundo físico, um vale com seus ecos. Parmênides estaca. Heráclito continua se movendo. Progressivamente abre-se uma distância entre um e outro, mas o eco de suas vozes permite que conversem até que enfim, não se ouçam mais. Sem parar de andar nem voltar-se para trás, Heráclito diz:

H. Parou por quê? A vida é movimento neste vasto mundo físico!
P. Não parei. Caminho, agora, pelo vasto mundo metafísico.
H. Insisto que a vida é movimento. Nem a água do rio é a mesma quando nos banhamos pela segunda vez, muito menos nós somos os mesmos.
P. Via-o de lado, agora vejo-o de costas. É você ainda, Heráclito, meu velho?
H. Claro que não. Caminhava acompanhado. Agora caminho sozinho. A solidão não me agrada tanto quanto a boa companhia, mas certamente considero-a mais proveitosa do que a companhia de tolos. Julgava estar em boa companhia. Agora tenho dúvidas e as dúvidas me aborrecem. Como posso ser o mesmo?
P. Daqui, parado, penso: caminhávamos juntos e não nos distanciávamos um do outro. Não estaríamos nós em repouso e não seria esse movimento que tanto presa apenas aparência? E agora que parei e você caminha, finalmente tal movimento é constatável. Se sou tolo, é a tolice o que permite constatar o movimento, e não ele próprio.
H. Ora! Pergunte as suas pernas que o trouxeram até aí se o cansaço delas é aparente! De que serve essa tolice metafísica, senão para justificar o cansaço delas. Íamos de Éfeso para Eléia. Bem vejo que chegarei à sua cidade muito antes que você.
P. Chegará. Mas pra quê, sem o seu anfitrião. Não preciso me mover para saber que logo se perderá por lá. E não se engane, Heráclito – se é que ainda é esse o seu nome. Será um Heráclito perdido, mas ainda será um Heráclito.
H. Lá chegando, então, eu mando os médicos virem lhe buscar. Direi a verdade a eles: Parmênides moveu-se a passos firmes em direção à própria loucura metafísica. Mas é claro, pedirei para que venham sem se moverem, a não ser pelos caminhos metafísicos. Cuidado para não se cansar demais, aí, parado!
P. E você, cuidado para não errar o caminho e depois de se mover tanto, inutilmente, descobrir que chegou a uma cidade hostil aos gregos ou aos cabeças-duras.
Ambos, já muito distantes um do outro, não se ouvem mais. Mas dizem os ecos que eles ainda continuam debatendo como se se ouvissem.

Epílogo:
Reza a lenda que Heráclito, ao chegar à Eléia, foi chamado por todos de Parmênides. Sem ter êxito em conseguir desfazer energicamente o que considerava um terrível engano, foi levado à presença dos médicos da cidade. Após a administração dos medicamentos e um tanto de repouso, os médicos explicaram-no que ele, Parmênides, há muito havia desenvolvido um alter-ego o qual chamara Heráclito. Heráclito se movia enquanto Parmênides o guiava, e assim, ambos percorreram a pé boa parte do antigo vale dos ecos. Eram tão necessários um ao outro quanto gostavam de viver às turras. 
       

sábado, 8 de outubro de 2011

CORAÇÃO DE CABÍRIA

Cabíria das noites de Roma,
sorriso de flor,
destino de puta.
Pedra preciosa,
bruta,
escuta, de cor, o coração.

Na contramão da sinfonia
que anuncia sua tragédia,
retoma as rédeas das suas dores
na noite fria
dos vis amores,
pra mais um dia
sorrir em flores
sua labuta.
               

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

CATÁLOGOS


“Dizei agora, Musas, quem eram os chefes e governantes dos gregos?”
(A Ilíada, de Homero)

Há muito tempo atrás, o primeiro catálogo de que se teve notícia foi aquele enunciado por Homero, com auxílio das musas, cujo objetivo era mostrar-nos o poderio bélico que o rei Agamenon tinha à disposição para realizar o ataque que julgava final, contra a Tróia dos muros intransponíveis, devido a um sonho capcioso lhe induzido por Zeus, filho de Cronos. Homero enumera os chefes e a procedência de cada tribo disposta a lutar e, principalmente, representa a força que cada uma dispunha através do número das embarcações por elas comandadas. Agamenon e os atridas comandava cem embarcações. Aquiles e os mirmidões, sessenta. Ulisses e os cefalônios, doze. Mais do que valorar os heróis, o número das embarcações está relacionado com seus lugares na hierarquia aristocrática. Pois, sem dúvidas, Agamenon era o rei a quem todos os aqueus deviam obediência. Por outro lado, Aquiles como guerreiro, era infinitamente superior a Agamenon, assim como Ulisses, com seus doze barcos, assemelhado aos deuses na astúcia, certamente, neste quesito consagrado à deusa Atenas, superava Agamenon.
Mas o fato é o de que o catálogo de Homero, talvez enfadonho para que o lê mais de 2500 anos depois, era fundamental para que Agamenon soubesse a força de que dispunha, da onde ela vinha e também quem, uma vez as comandando, se submeteria ao seu comando para posteriormente gozar da glória e dos despojos do saque, após a derrocada de Tróia.
De lá para cá, muitos foram os catálogos criados e enumerados. O ato de classificar segundo algum critério, visando objetivos práticos ou simplesmente simbólicos e eruditos, se transformou em uma verdadeira obsessão. O catálogo de telefone é o exemplo mais banal. O de serviços do bairro também. Há ainda o dos médicos dos planos de saúde. O de doenças, usado pelos médicos, com seus importantes casos omissos. As taxonomias, que agrupam os seres biológicos em suas devidas espécies e filos. Há também o catálogo das cores, as playlisties de músicas que agitam as festas ou consolam corações intimistas, o dos eletrodomésticos, dos alimentos, dos e-mails, dos “favoritos”, dos condenados ou foragidos (a famigerada lista negra), o dos candidatos, das bandeiras, dos países, dos seres imaginários, das palavras, das rimas e analogias, o dos conceitos, dos verbetes, dos filmes, dos best-sellers, das mulheres mal ou bem possuídas (no sentido bíblico, ou não), o dos homens mal ou bem possuídos (no sentido bíblico, ou não), o dos clientes, seja qual for o serviço oferecido, o das estrelas e constelações, dos objetos arqueológicos, dos ossos indestrutíveis, das aplicações financeiras, dos endividados, etc, etc, etc...
Porém, talvez haja um catálogo que só possa ser enunciado por cada um de nós. Um catálogo que seja útil para que, alguns de nós, encontremos nossa utilidade no mundo. Um catálogo que enumere uma certa multiplicidade arredia de coisas que se multiplicam em ritmo de progressão geométrica enquanto dormimos, não obstante nos deem conselhos zombeteiros, banais ou cruciais enquanto estamos acordados na lida da vida. É, talvez, esse o catálogo das fantasias. Talvez à semelhança daquele enunciado por Homero, esse catálogo possa enumerar a parte que cabe às fantasias no enfrentamento do mundo, além da força por elas mobilizadas junto à infindável contenda entre realidade e ilusão. São, sem dúvida, procedentes de regiões oníricas diversas, as fantasias. Possuem ímpeto e força igualmente diversos, assim como partido e métodos de ação. Muitas querem simplesmente trucidar o inimigo, seja ele a realidade ou a ilusão. Outras, a exemplo de Alexandre, o grande, ou dos antigos romanos, aceitam de bom grado a construção de uma unidade imperiosa cuja base seja a diversidade e o ecletismo. Outras, enfim, desejam apenas voltar para casa, mesmo de mãos vazias, após tanto tempo de batalha.  
Eis, portanto, a sonhadora utilidade do tal catálogo: Agamenon precisa saber sobre a força da qual dispõe. Por isso, que falem as musas!
   

domingo, 2 de outubro de 2011

ATÉ


Todo dia é o que é
a fantasia de ser o que se pode ou quer
chuva, seco, farol, primavera, dia
tudo que vale, cale, sussurre e o que já se esvaia
a alegria do que valeu
do jeito meu, do jeito teu

Todos nós, desatados em apenas um
sonho de palavras
imagens imaginadas
objetivo comum

Todo dia é o que é
este sonho de futuro
notivago, diurno
até
 

QUANDO O CARNAVAL CHEGAR



Quem me vê sempre parado,
Distante garante que eu não sei sambar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Eu tô só vendo, sabendo,
Sentindo, escutando e não posso falar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Eu vejo as pernas de louça
Da moça que passa e não posso pegar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Há quanto tempo desejo seu beijo
Molhado de maracujá...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

E quem me ofende, humilhando, pisando,
Pensando que eu vou aturar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

E quem me vê apanhando da vida,
Duvida que eu vá revidar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Eu vejo a barra do dia surgindo,
Pedindo pra gente cantar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar

Eu tenho tanta alegria, adiada,
Abafada, quem dera gritar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar...

(Chico Buaruqe)

EU PRECISO APRENDER A SÓ SER


Sabe, gente.
É tanta coisa pra gente saber.
O que cantar, como andar, onde ir.
O que dizer, o que calar, a quem querer.

Sabe, gente.
É tanta coisa que eu fico sem jeito.
Sou eu sozinho e esse nó no peito.
Já desfeito em lágrimas que eu luto pra esconder.

Sabe, gente.
Eu sei que no fundo o problema é só da gente.
E só do coração dizer não, quando a mente.
Tenta nos levar pra casa do sofrer.

E quando escutar um samba-canção.
Assim como: "Eu preciso aprender a ser só".
Reagir e ouvir o coração responder:
"Eu preciso aprender a só ser."

(Gilberto Gil)
  

sábado, 1 de outubro de 2011

LUDWIG E O GIRASSOL ESTÚPIDO

      
GIRASSOL

Aquele girassol no jardim público de Palmira.
Ias de auto para Juiz de Fora; a gasolina acabara;
havia um salão de barbeiro; um fotógrafo; uma igreja; um menino parado;
havia também, entre vários, um girassol. A moça passou.
Entre os seios e o girassol tua vontade ficou interdita.
Vontade garota de voar, de amar, de ser feliz, de viajar, de casar, de ter muitos filhos;
vontade de tirar retrato com aquela moça, de praticar libidinagens, de ser infeliz e rezar;
muitas vontades; a moça nem desconfiou...
Entrou pela porta da igreja, saiu pela porta dos sonhos.

O girassol, estúpido, continuou a funcionar.

(Carlos Drummond de Andrade)
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SEXO

vou pela avenida Wilton
quando essa garora de uns 15 anos
vestida com um jeans apertado
que se cola ao seu rabo como duas mãos
pula na frente do meu carro
paro e deixo ela cruzar a rua
e enquanto olho suas curvas ondulantes
ela me olha direto através do
para-brisa
com olhos púrpuras
e então faz brotar
para fora da boca
a maior bola de chiclete
cor-de-rosa
que eu jamais vi
enquanto escuto Beethoven
no rádio do carro.
ela entra numa mercearia
e se vai
e eu fico abandonado com o
Ludwig.

(Charles Bukowski, O amor é um cão dos diabos)