domingo, 30 de janeiro de 2011

AÇO EM FLOR

      Quem nunca viu
que a flor, a faca e a fera
      tanto fez como tanto faz,
e a forte flor que a faca faz
      na fraca carne,
um pouco menos, um pouco mais,
      quem nunca viu
a ternura que vai
      no fio da lâmina samurai,
esse, nunca vai ser capaz.
 
(Paulo Leminski)
                                   

sábado, 29 de janeiro de 2011

CARLA MARTINS COELHO

    Parceira,
amante,
    qüiproquó:
três cajadadas
    num coelho só.
                           

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

NIETZSCHERÓI

      O Super-Humano, demasiado humano
passou voando por Niterói.
      Disse, o trapaceiro eterno:
– Retorno quando disseres que já não dói.
                                                          

domingo, 23 de janeiro de 2011

(DI)LEMA RETÓRICO

         Expressão da vida
ou vida vivida?
         Sonhar sem viver?
Viver sem saída?

         Enfim,
são meus versos ou meus dias
         que estão sempre de partida?
                                                    

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

(M)AUDIÇÃO


      Essa coisa de rima
é pura orelha,
     é puro som.
Deslaboriosidade que desensina
     à idade velha
um novo então.
                             

XXI


Ocupo muito de mim com o meu desconhecer.
Sou um sujeito letrado em dicionários.
Não tenho que 100 palavras.
Pelo menos uma vez por dia me vou no Morais ou Viterbo –
A fim de consertar a minha ignorãça,
Mas só acrescenta.

Despesa para minha erudição tiro dos almanaques:
- Ser ou não ser, eis a questão.

Ou na porta dos cemitérios:
- Lembra que és pó e ao pó tu voltarás.

Ou no verso das folhinhas:
- Conhece-te a ti mesmo.

Ou na boca do povinho:
- coisa que não acaba no mundo é gente besta e pau seco.

Etc
Etc
Etc

Maior do que o infinito é a encomenda.


(Manoel de Barros, O livro das ignorãças)

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

RAIZ

     Essa, aquela,
outra e tanta
    despetalada   
poesia:
    enraizada árvore genealógica
reinventada   
    dos meus,
dos nossos
    dias.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

CANTO DE COR

   A música dela:
à noite,
   rosa amarela,
sua alma
   à luz de vela.
De dia,
   mansa idéia
colorida aquarela
   bela
muito bela
   a música dela

ATERRISSAGEM

    Entre a prata do antes
e o bronze depois,
    só quem viveu sabe
quantos sóis.

domingo, 16 de janeiro de 2011

12 DE JANEIRO

     Virá o salvador
a essa Salvador de chuva,
     sem o sal da água
ou a areia enxuta?

     O sol que salga
a prata e o bronze
     por onde será que se esconde?


domingo, 9 de janeiro de 2011

REFRESCANSA

     Ondina:
Sombra e água mansa.
     O amor queima.
O sol descansa.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

V, DE VIAGEM

   
     Viajar me deixa
a alma rasa,
     perto de tudo,
longe de casa.

     Em casa, estava a vida,
aquela que, na viagem,
     viajava, bela
e adormecida.

     A vida viajava
mas não viajava eu,
     que toda viagem
é feita só de partida.

(Leminski)


nota: é possível, na volta, ser o mesmo da ida?

domingo, 2 de janeiro de 2011

BAHIA DE TODOS OS BANTOS

Sol  +  itinerário
    Solitário

Nunca só
    vários

sábado, 1 de janeiro de 2011

AMOR DE LEMINSKI



                    I

O amor, esse sufoco,
agora há pouco era muito,
agora, apenas um sopro

ah, troço de louco,
corações trocando rosas,
e socos


                  II

ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga

ai daqueles que se amaram
sem saber que se amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa


                 III

Esse estranho hábito
escrever obras-primas,
não me veio rápido.
Custou-me rimas.
Umas paguei caro,
liras, vidas, preços máximos.
Umas, foi fácil.
Outras, nem falo.
Me lembro duma
que desfiz a socos.
Duas, em suma.
Bati mais um pouco.
Esse estranho abuso,
adquiri faz séculos.
Aos outros, as músicas.
Eu, senhor, sou todo ecos.

(I, II e III Leminskis)
                                    

EX - PIRALADO

    
   Escrevo
por escrever.

   Por escrever,
amadureço.

   Maduro,
torno a esquecer.

   Remoçado,
recomeço.