segunda-feira, 15 de agosto de 2011

CONVERSA (DES)AFIADA



I

AÇOUGUEIRO SEM CÃIMBRA

Demente que martela
com um dedo só
a tecla dos pianos aéreos.

Açogueiro sem cãimbra nos braços,
eu faço versos como quem talha.
A facão.
E talho para desbastar os excessos:
aparto de mim uma ruma de poemas.
Ao escrever
        (sem lume, vista turva, cego,
                                    no ato bruto),
                                       o ego some, esfuma,
E o nume Ninguém Nenhures é que assume a autoria.

Há uma gota de sangue em cada fantasma?

Açogueiro sem cãimbra nos braços.
Acontece que não acredito em fatos,
magarefe agreste,
pego a posta do vivido,
talho, retalho, esfolo o fato nu e cru,
pimento, condimento,
povôo de especiarias,
fervento, asso ou frito,
até que tudo figure fábula.

Açogueiro sem cãimbra nos braços,
tarefeiro tosco,
cozinheiro de gororoba,
demiurgo áspero.

Demente que martela,
com um dedo só
as teclas dos pianos aéreos.

(Waly Salomão)




II

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:

a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o mundo para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas tem devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde a sua existência num fagote tem salvação
e)Que um rio que flui entre dois jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre dois lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
etc
etc
etc
Desaprender oitos horas por dia ensina os princípios.

(Manoel de Barros)



               

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