sexta-feira, 7 de outubro de 2011

CATÁLOGOS


“Dizei agora, Musas, quem eram os chefes e governantes dos gregos?”
(A Ilíada, de Homero)

Há muito tempo atrás, o primeiro catálogo de que se teve notícia foi aquele enunciado por Homero, com auxílio das musas, cujo objetivo era mostrar-nos o poderio bélico que o rei Agamenon tinha à disposição para realizar o ataque que julgava final, contra a Tróia dos muros intransponíveis, devido a um sonho capcioso lhe induzido por Zeus, filho de Cronos. Homero enumera os chefes e a procedência de cada tribo disposta a lutar e, principalmente, representa a força que cada uma dispunha através do número das embarcações por elas comandadas. Agamenon e os atridas comandava cem embarcações. Aquiles e os mirmidões, sessenta. Ulisses e os cefalônios, doze. Mais do que valorar os heróis, o número das embarcações está relacionado com seus lugares na hierarquia aristocrática. Pois, sem dúvidas, Agamenon era o rei a quem todos os aqueus deviam obediência. Por outro lado, Aquiles como guerreiro, era infinitamente superior a Agamenon, assim como Ulisses, com seus doze barcos, assemelhado aos deuses na astúcia, certamente, neste quesito consagrado à deusa Atenas, superava Agamenon.
Mas o fato é o de que o catálogo de Homero, talvez enfadonho para que o lê mais de 2500 anos depois, era fundamental para que Agamenon soubesse a força de que dispunha, da onde ela vinha e também quem, uma vez as comandando, se submeteria ao seu comando para posteriormente gozar da glória e dos despojos do saque, após a derrocada de Tróia.
De lá para cá, muitos foram os catálogos criados e enumerados. O ato de classificar segundo algum critério, visando objetivos práticos ou simplesmente simbólicos e eruditos, se transformou em uma verdadeira obsessão. O catálogo de telefone é o exemplo mais banal. O de serviços do bairro também. Há ainda o dos médicos dos planos de saúde. O de doenças, usado pelos médicos, com seus importantes casos omissos. As taxonomias, que agrupam os seres biológicos em suas devidas espécies e filos. Há também o catálogo das cores, as playlisties de músicas que agitam as festas ou consolam corações intimistas, o dos eletrodomésticos, dos alimentos, dos e-mails, dos “favoritos”, dos condenados ou foragidos (a famigerada lista negra), o dos candidatos, das bandeiras, dos países, dos seres imaginários, das palavras, das rimas e analogias, o dos conceitos, dos verbetes, dos filmes, dos best-sellers, das mulheres mal ou bem possuídas (no sentido bíblico, ou não), o dos homens mal ou bem possuídos (no sentido bíblico, ou não), o dos clientes, seja qual for o serviço oferecido, o das estrelas e constelações, dos objetos arqueológicos, dos ossos indestrutíveis, das aplicações financeiras, dos endividados, etc, etc, etc...
Porém, talvez haja um catálogo que só possa ser enunciado por cada um de nós. Um catálogo que seja útil para que, alguns de nós, encontremos nossa utilidade no mundo. Um catálogo que enumere uma certa multiplicidade arredia de coisas que se multiplicam em ritmo de progressão geométrica enquanto dormimos, não obstante nos deem conselhos zombeteiros, banais ou cruciais enquanto estamos acordados na lida da vida. É, talvez, esse o catálogo das fantasias. Talvez à semelhança daquele enunciado por Homero, esse catálogo possa enumerar a parte que cabe às fantasias no enfrentamento do mundo, além da força por elas mobilizadas junto à infindável contenda entre realidade e ilusão. São, sem dúvida, procedentes de regiões oníricas diversas, as fantasias. Possuem ímpeto e força igualmente diversos, assim como partido e métodos de ação. Muitas querem simplesmente trucidar o inimigo, seja ele a realidade ou a ilusão. Outras, a exemplo de Alexandre, o grande, ou dos antigos romanos, aceitam de bom grado a construção de uma unidade imperiosa cuja base seja a diversidade e o ecletismo. Outras, enfim, desejam apenas voltar para casa, mesmo de mãos vazias, após tanto tempo de batalha.  
Eis, portanto, a sonhadora utilidade do tal catálogo: Agamenon precisa saber sobre a força da qual dispõe. Por isso, que falem as musas!
   

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