domingo, 11 de setembro de 2011

EPÍLOGO À VIDA QUE SE VIVE


Comercializava oito horas diárias da sua vida em troca de sobrevivência. É verdade que esse comércio necessário, mas nem por isso natural, em outras épocas já havia sido mais desvantajoso. Mas ainda assim, fazia parte do próprio prazer da vida a qual ele comercializava, maldizer os compradores obstinados, que mundo afora iam acumulando excedentes de horas alheias e mal vividas que lhes rendiam fortunas de objetos supérfluos, tão necessários aos seus desejos quanto é necessária uma maçã suculenta e não mordida a um garboso e bem plantado pé de laranjas.

Havia decidido, no interior de sua cabeça cujos pensamentos a duras custas buscava isentar do comércio que o mantinha vivo, que viveria uma jornada dupla. Além do comércio comum a todos os seres vivos deste e, infortunadamente, do outro mundo, havia decidido que também trabalharia em uma outra espécie de ofício. Havia decidido ser artesão. Havia decidido produzir com as mãos artefatos sem etiquetas, utensílios sem valor comercial – não obstante comercializáveis quando a astúcia prática dos senhores entediados do mundo se distrai e eles próprios, sem querer, desnaturalizam por engano a desnecessária fábula do mundo a qual protagonizam.

Além das oito horas, que eram as horas que vendia e com as quais comprava o marco zero das horas da vida deliberadamente reconhecida como vida, trabalharia ainda outras horas a mais como carpinteiro. Daria forma a uma matéria. Uma matéria, entretanto, infinitamente menos rija do que a madeira. Uma amálgama feita de um não sei o quê misterioso cujo nome e definição se multiplicavam responsável e irresponsavelmente por toda face do imenso globo que ainda e sempre jazia crepitante. Daria forma à própria vida que, enfim, percebera, mantinha-se inútil para além do seu valor de vida comprada e usufruída após a operação monetária que ignora o próprio processo produtivo que a fez ser o que é e a ter o valor que pagou quem a comprou pelo simples fato de ter nascido.

É certo que não sabia que espécies de objetos sacros ou profanos suas mãos criariam. Tão certo, é verdade, quanto os sonhos premonitórios dos antigos profetas embriagados que, incapacitados de informar detalhes sobre o futuro inquirido, se safavam com cataclismos universais que só convenciam aqueles que em vida já se encontravam mortos e apenas ansiavam por uma doce fantasia justificadora. Isso porque eram muitos os mortos antes, assim como ainda o são agora. De maneira que, não importando que tipos de objetos por ele seriam engendrados, seriam, em primeira e última instância, ele urdia, consagrações à vida, essa sim, e apenas ela, sem forma acabada, embora sendo formada na medida em que ainda e até quando, enfim, se acabe, para que só então quando finda, assuma a forma definitiva das um milhão de formas póstumas e apócrifas que ninguém, senão a autoridade temporária e temporal, sabe o que são, até que, mais uma vez e sempre, nada mais saiba, novamente.
 
O FIM...

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