Parmênides entra na água.
PARMÊNIDES: Quem é você, rio que me banha?
HERÁCLITO: Heráclito é meu nome.
PARMÊNIDES: Agradeço pela gentileza.
HERÁCLITO: Não carece agradecer.
PARMÊNIDES: Agradeço mesmo assim.
HERÁCLITO: Ora, não compreende.
PARMÊNIDES: Claro que compreendo! Você é
um rio modesto. Mas ainda assim, insisto. Agradeço de coração.
HERÁCLITO: Agradeço também a sua
gentileza. Mas ainda assim tenho que dizer o que digo a todos que, iguais a
você, não entendem até que eu diga.
PARMÊNIDES: Ora, nem tão modesto assim,
heim... mas, vá lá. Diga, então, o que a tudo esclarece.
HERÁCLITO: Não carece agradecer porque não
seria possível agradecer-me. Apenas isso.
PARMÊNIDES: E que espécie de rival de Zeus
todo poderoso é você, cuja satisfação não se sacia?
HERÁCLITO: Sou devoto do Zeus ajuntador de
nuvens tanto quanto você, Parmênides meu velho. Sou um
rio, sou parte da grande família. Sou também o fluxo incessante que passa por
um ponto fixo. Carrego, levo para longe, desbravo. Para aqueles que resistem,
imponho pressão. Não uma pressão exclusivamente minha. Uma pressão vinda de uma
afirmação e de uma negação. Dessa pressão, cria-se. O seu banho, por exemplo.
PARMÊNIDES: Que me limpa bem o sei e por
isso lhe agradeci. Mas meu agradecimento foi rejeitado. O porquê disso ainda
não se explicou.
HERÁCLITO: Ora, homem, banho-te infinitas
vezes num único banho! Não existo a não ser em eterno movimento. Não é possível
me agradecer infinitas vezes. Portanto, não carece. Fique à vontade.
PARMÊNIDES: Então agora agradeço pelas
eternas e infinitas vezes que já me banhou, pela que me banha agora e pelas que
ainda irá me banhar. O que acha?
HERÁCLITO: Já não sou mais o mesmo que
ouviu. Poderia, por favor, repetir infinitas vezes?
PARMÊNIDES: Estaria eu abrigado a tomar, em
toda a minha vida, um único banho para cumprir tal tarefa. E ainda assim,
morreria limpo, mas não conseguiria cumpri-la.
HERÁCLITO: Portanto, guarde sua cortesia aos que, como você, precisam reconhecer o que são. Quem são. Apenas sou.
PARMÊNIDES: Compreendo o que diz. Contudo, ainda
me inquieto. Por que não haver cortesia, mesmo entre tão distintos
interlocutores?
HERÁCLITO: Interlocutores?
PARMÊNIDES: Sim. Estamos conversando, não?
HERÁCLITO: Estamos?
PARMÊNIDES: Ora, estamos! – após pequena
pausa – Não estamos?
HERÁCLITO: Já lhe disse, homem, e repito.
Sou um rio. Se conversa comigo é porque conversa consigo mesmo. Fez a você
sujeito e tomou-me por seu objeto. Fez-me perguntas e atribuiu-me respostas.
Mas, de fato, apenas sou. Rio.
Parmênides continuou o seu banho.
Ficou pensativo durante algum tempo. Quando já se sentia limpo, disse:
PARMÊNIDES: Bom, neste caso, agradeço de
coração, paciente e bem aventurado rio.
HERÁCLITO: Disponha, Parmênides meu velho.
Parmênides, com um sutil sorriso
de satisfação, calou-se. Num leve movimento, suspendeu os pés do fundo.Começou
a boiar e a ser levado pela correnteza. Mais do que limpá-lo, o banho no rio de
Parmênides fez dele rio e desaguou seus pés em novas paragens.
belíssimo!
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