O tempo é a mais estranha das
criaturas. Talvez porque nem mesmo seja
uma criatura. De qualquer forma, é estranho. Estranho e, por isso mesmo,
fascinante. Às vezes ele me chama para brincar. Eu mesmo não dou muita atenção,
já que passei da época de fazer estripulias dessas que tanto o agradam. Mas não
raras vezes existe em mim uma criança, ora tirana, ora um camaradinha porreta,
que se dispõe a não deixa-lo brincando sozinho. Há algum tempo venho aprendendo
que o tempo está em tudo, mesmo na criança que não cresce. Por isso, que vá a
criança brincar sem culpa enquanto eu, o adulto, me encarrego das rugas dos
enigmas. Ela foi. Quando voltou, bastou ouvir seu relato
para redescobrir que enigmas são coisas para serem apreciadas por
crianças enquanto brincam. Eis o que ela me disse:
Brinquei de macaco de imitação a tarde inteira. Ora o tempo disparava
feito uma flecha que nunca atinge o seu alvo, ora se fingia de tartaruga que,
apesar da lentidão, era impossível de ser ultrapassada. Em seguida se fazia de
sapo e dava pulos largos demais para as minhas pernas, depois estacava, depois
dava uma sequência de pulos curtos, estacava de novo, e pulava e estacava e
pulava. Depois disparava feito flecha e, então, ralentava novamente. De repente,
ele subiu em linha reta feito tiro de revolver apontado para o céu. Não me fiz
de rogado e sai voando no seu encalço. Vendo que eu tinha certa intimidade com
a imensidão atmosférica, ele fez uma graciosa curva em parábola, lá perto dos
dedos da mão de Atlas, e se pôs numa frenética queda livre, rodopiando em
espiral. É lógico, fiz o mesmo. Na descida, me senti como um marujo de primeira
viagem que vomita o próprio estômago por causa do balanço do mar. Mesmo assim,
não parei de cair. Caia e rodopiava com a cabeça voltada para o chão e as
pernas para o céu. Fui adquirindo mais velocidade e cada vez me aproximando
mais dele. Acho que ele deve ter se lembrado da antiga estória sobre um garoto
que abusou da autonomia de vôo das próprias asas de cera, porque pela
velocidade que eu estava, se ele não parasse de cair e pegasse uma ascendente,
era capaz de eu ter me esborrachado no chão. Tornei, então, a subir junto com
ele até pousarmos, ao mesmo tempo, no chão. Ele disse que eu era bastante
corajoso, mas que ainda tinha muito o que aprender. Não sei o quê?! Afinal de
contas, estávamos apenas brincando! Resolvemos voltar para casa. Andávamos lado
a lado. Então, num piscar de olhos, ele simplesmente desapareceu. Olhei em
todas as direções e nada do tempo. Cheguei mesmo a chamar-lhe de ingrato por
ter partido sem nenhuma palavra. Eis que quando cheguei em casa, ouvi uma voz.
Era ele. Disse:
- Estamos, agora, ocupando o mesmo espaço, camaradinha! Por que você
não aproveita, vai até a janela e dá uma olhada. Lá você verá o seu futuro.
Sai correndo, abri a janela e vi: uma nuvem, navegando no céu azul.
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