terça-feira, 24 de julho de 2012

MISTO QUENTE III

Um dia eu estava por ali parado, esperando como de costume, de mal com o pessoal, mas a fim de fazer as pazes com eles, quando Gene se aproximou de mim correndo:

- Ei, Henry, venha cá!
- O que é?
- VENHA DUMA VEZ!

Gene começou a correr e fui atrás dele. Seguimos até o quintal dos Gibson. Os Gibson tinham um muro alto de tijolo ao redor de todo o pátio dos fundos.

- VEJA! ELE ESTÁ COM O GATO ENCURRALADO! ELE VAI MATÁ-LO!

Havia um gatinho branco com as costas voltadas para um dos cantos do muro. Não podia subir pelos tijolos nem fugir em qualquer outra direção. Suas costas estavam arqueadas e ele bufava, as garras prontas. Era, no entanto, pequeno demais para dar conta do buldogue de Chuck, Barney, que rosnava e se aproximava mais e mais. Tive a impressão de que aquele gato havia sido colocado ali pelos garotos e de que somente depois o buldogue fora levado até ali. Sentia isso intensamente pelo modo como Chuck e Eddie e Gene acompanhavam a cena: o aspecto deles os incriminava.

- Caras, vocês armaram essa – eu disse.
- Não – rebateu Chuck –, a culpa é do gato. Ele veio até aqui. Deixe que ele se vire agora para escapar.
- Odeio vocês, seus desgraçados – eu disse.
- Barney vai matar o gato – disse Gene.
- Barney vai fazer picadinho do gato – disse Eddie – Ele está com medo das unhas do gato, mas quando avançar tudo estará encerado.

Barney era um buldogue grande e marrom com as bochechas flácidas e cheias de baba. Ele era gordo e meio abobalhado e tinha olhos castanhos inexpressivos. Rosnava constantemente e ia avançando devagar, os pêlos do pescoço e das costas eriçados. Eu sentia vontade de dar um chute no seu rabo estúpido, mas percebi que ele me arrancaria a perna fora. O cão estava completamente tomado por um espírito assassino. O gato branco sequer tinha terminado de crescer. O bichinho soltava um silvo agudo e esperava, comprimido contra o muro, uma criatura belíssima, tão limpa.

O cachorro avançou lentamente. Por que esses caras precisavam disso? Não era uma questão de coragem, era apenas um jogo sujo. Onde estavam os adultos? Onde estavam as autoridades? Para me acusar de alguma coisa estavam sempre por perto. Onde tinham se enfiado agora?

Pensei em intervir na cena, apanhar o gato e sair correndo, mas eu não tinha forças. Tinha medo que o buldogue me atacasse. A consciência de que me faltava coragem para fazer o que era necessário fez com que me sentisse péssimo. Comecei a ficar enjoado. Estava fraco. Eu não queria que aquilo acontecesse, ainda que eu não conseguisse encontrar nenhuma maneira de evitar o massacre.

- Chuck – eu disse – deixe o gato ir, por favor. Chame o seu cachorro.

Chuck não respondeu. Continuou apenas observando. Então disse:

- Vai, Barney, pega ele! Pegue o gato!

Barney avançou e de súbito o gato deu um salto. O bichano se transformara numa furiosa mancha branca, toda silvos, garras e dentes. Barney recuou e o gato voltou novamente para o muro.

- Pegue ele, Barney – disse Chuck novamente.
- Cale a boca, maldito – disse a ele.
- Não fale comigo desse jeito – retrucou.

Barney começava a avançar novamente.

- Caras, vocês armaram tudo isso aqui – eu disse.

Ouvi um leve ruído atrás de nós e voltei a cabeça. Vi o velho sr. Gibson a nos observar de trás da janela do seu quarto. Ele também queria que o gato fosse morto, assim como os garotos. Por quê?

O velho sr. Gibson era nosso carteiro. Usava dentadura. Tinha uma esposa que passava o tempo inteiro em casa. Ela saia apenas para botar o lixo na rua. A sra. Gibson sempre usava uma rede sobre os cabelos e sempre trajava uma camisola, roupão de banho e chinelos.

Então apareceu a sra. Gibson, vestida como de costume, e se postou ao lado do marido, esperando pela carnificina. O sr. Gibson era um dos poucos homens da vizinhança que tinha um emprego, mas ainda assim ele precisava ver o gato ser morto. Gibson era como Chuck, Eddie e Gene.

Havia muitos deles.

O buldogue se aproximou. Eu não podia ver aquele crime. Senti uma vergonha profunda por abandonar o gato à própria sorte. Havia sempre a chance de que o bichano pudesse escapar, mas eu sabia que os garotos não deixariam isso acontecer. Aquele gato não enfrentava apenas o buldogue, ele enfrentava a Humanidade inteira.

Dei meia volta e me afastei, para fora do quintal, passando pela entrada do carro e chegando à calçada. Caminhei em direção ao local onde eu morava e lá, no pátio em frente à sua casa, meu pai estava plantado, me esperando.

- Onde você estava? – ele perguntou.

Não respondi.

- Já pra dentro – ele disse – E pare de parecer tão infeliz ou lhe darei algo para que você realmente sinta o que é infelicidade!

(Charle Bukowski)
           

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