segunda-feira, 27 de julho de 2015

A ÁRVORE DO ENFORCADO

    Do caule brota pronta
A planta que me espanta
    Ramifica além da conta
Da semente se agiganta
    A raiz, que se avoluma
Enterrada no instante
    Suga o tempo, espessa bruma
Decompõe depois e antes
    Frutifica fruto tênue
De sabor extra-vagante
    Já não sou quem era antes
Já de mim sou pura afronta
    Galho penso onde pousa
Assobio sem passarinho
    Tronco estranho no qual ousa
A ilusão erguer seu ninho
    Sobe ao céu a fronde fátua
Sorve o sol e azul fulgura
    Saboreia a chama árdua
E despenca em noite escura
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RAIZ
    Essa, aquela,
outra e tanta
    despetalada   
poesia:
    enraizada árvore genealógica
reinventada   
    dos meus,
dos nossos
    dias.
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REVOLUÇÃO, REVOLUCIONÁRIO
Imensa solidão
    Avessa imensidão
Nem só, nem são
    Solitário
Acrobata sem rede
    Extra - ordinário
A dois palmos, o chão

    E o deserto e a sede
Em meio à multidão
    Literário
Vasto e triste
    Charlatão de si mesmo
Alma em riste
    Coração sem desejo
Falsário

    Condenado de saída
Patíbulo ao encalço
    Da comédia, a guarida
Da vida, cadafalso

    Subversivo
Arbitrário
    Nem solidão, nem solitário
Artesão
    Inquebrantável operário
Poeta que inflige
    à ordem, a desordem
Ao mundo
    O contrário

Revolução
    Revolucionário   

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

ROLL THE DICE


if you’re going to try, go all the
way.
otherwise, don’t even start.

if you’re going to try, go all the
way.
this could mean losing girlfriends,
wives, relatives, jobs and
maybe your mind.

go all the way.
it could mean not eating for 3 or 4 days.
it could mean freezing on a
park bench.
it could mean jail,
it could mean derision,
mockery,
isolation.
isolation is the gift,
all the others are a test of your
endurance, of
how much you really want to
do it.
and you’ll do it
despite rejection and the worst odds
and it will be better than
anything else
you can imagine.

if you’re going to try,
go all the way.
there is no other feeling like
that.
you will be alone with the gods
and the nights will flame with
fire.

do it, do it, do it.
do it.

all the way
all the way.

you will ride life straight to
perfect laughter, its
the only good fight
there is.

(Charles Bukowski)

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

DECLARAÇÃO DE AMOR


LEMBRETE

Se procurar bem, você acaba encontrando
não a explicação (duvidosa) da vida,
mas a poesia (inexplicável) da vida.

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AMAR

Que pode uma criatura senão,
entre  criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesmo de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.


(ambos de Carlos Drummond de Andrade, Declaração de amor)
 

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

DIVINAS DISPUTAS

Penso que dias melhores virão
Ela diz: só o inferno é que é bom!
Fico em silêncio, mantenho a calma
Ela canta com os dois pés na lama
Planejo as coisas para tudo caber
Enche ela o copo, transborda ao beber
Leio os livros, sei o que digo
Passa o verão ela fora do abrigo
Cometo um erro, peço dez-culpas
Diz ser tolice divinas disputas
Sigo o exemplo, me faço exemplar
Mergulha ela fundo, não sabe nadar
Presto auxílio, recebo um prêmio
Ela se ri de qualquer meu conselho
Sonho c'o dia em que, enfim, terei paz
Ela me diz: morrer nunca é demais!
           

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

JANELAS ABERTAS N°2


Sim
Eu poderia abrir as portas que dão pra dentro
Percorrer correndo corredores em silêncio
Perder as paredes aparentes do edifício
Penetrar no labirinto
O labirinto de labirintos
Dentro do apartamento

Sim
Eu poderia procurar por dentro a casa
Cruzar uma por uma as sete portas, as sete moradas
Na sala receber o beijo frio em minha boca
Beijo de uma deusa morta
Deus morto, fêmea de língua gelada
Língua gelada como nada

Sim
Eu poderia em cada quarto rever a mobília
Em cada uma matar um membro da família
Até que a plenitude e a morte coincidissem um dia
O que aconteceria de qualquer jeito

Mas eu prefiro abrir as janelas pra que entrem
Todos os insetos

(Caetano Veloso)

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

JARDIM

E me perdi pelo mundo afora dentro do tanto pensar
Pensamento feito gente que incandesce e serena
Ao relento repetindo, lento, a leitura das estrelas
Via láctea com feitio de berro pelo leite derramado

Então o mundo se perdeu em mim sem que eu sequer ainda
Tivesse mesmo me achado em qualquer canto, encostado,
Feito machado de fio finado, desafinado de tão cego,
Feito cegonha que erra o destino por voar morcego

Pelo caminho aéreo coberto de traições vaticinadas
Acendi o lampião do saber no escuro que o silêncio encanta  
E ouvi um verso muito pequeno e leve, feito de chuva fina
Que umedece a sina da palha seca que cobre a luz dos olhos         

Me perguntei por onde o caminho leva, enfim, se não eleva?
E por resposta a relva revelou a erva e o verso medicinal
Na água quente do corpo que carrego e que, de mundo, rego
Plantado neste jardim de palavras terrenas e debalde

domingo, 28 de dezembro de 2014

SARGAÇOS

Criar é não se adequar à vida como ela é,
Nem tampouco se grudar às lembranças pretéritas
Que não sobrenadam mais.
Nem ancorar à beira-cais estagnado,
Nem malhar a batida bigorna-mágoa.

Nascer não é antes, não é ficar a ver navios,
Nascer é depois, é nadar após se afundar e se afogar.
Braçadas e mais braçadas até perder o fôlego
(Sargaços ofegam o peito opresso),
Bombear gá do tanque de reserva localizado em algum ponto
Do corpo
E não parar de nadar,
Nem que se morra na praia antes de alcançar o mar.

Plasmar
  bancos de areias, recifes de corais, ilhas, arquipélagos, baías,
                                                                      espumas e salitres,
                                                                        ondas e maresias.

Mar de sargaços

Nadar, nadar, nadar e inventar a viagem, o mapa, 
                                      o astrolábio de sete faces
O zumbido dos ventos em redemunho, o leme, as velas, as 
                                                                                   cordas
Os ferros, o júbilo e o luto.
Encasquetar-se na captura da canção que inventa Orfeu
Ou daquela outra que conduz ao mar absoluto.

   Só e outros poemas
          Soledades
                 Solitude, récif, étoile.

Através dos anéis escancarados pelos velhos horizontes
Parir,
   desvelar,
       desocultar novos horizontes.
Mamar o leite primevo, o colostro, a Via Láctea.
E, mormente,
          remar contra a maré numa canoa furada
Somente
          para martelar um padrão estóico-tresloucado
De desaceitar o naufrágio.
Criar é se desacostumar do fado fixo
E ser arbitrário.

                                                  Sendo os remos imateriais.
                                    
                                                  (Remos figurados no ar
                                                  pelos círculos das palavras.)

(Waly Salomão, Lábia)
  

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

VIDAS PARALELAS


(Pseudíssimo-Plutarco, Vidas Paralelas - Antônio Cícero e Dante Alighieri)
 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

COMO SÃO

  Pela lembrança
pelo olvido
  co-movido
           

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

DES(A)TINO

   Cedo
me quis
   o destino
calado

   Não meta
destino
   o nariz
onde não é chamado!

terça-feira, 16 de dezembro de 2014


Há um cio vegetal na voz do artista.
Ele vai ter que envergar seu idioma ao ponto
de alcançar o murmúrio das águas nas folhas
das árvores.
Não terá mais o condão de refletir sobre as
coisas.
Mas terá o condão de sê-las.
Não terá mais idéias: terá chuvas, tardes, ventos,
passarinhos...
Nos restos de comida onde as moscas governam
ele achará solidão.
Será arrancado de dentro dele pelas palavras
a torquês.
Sairá entorpecido de haver-se.
Sairá entorpecido e escuro.
Ver sambixuga entorpecida gorda pregada na
barriga do cavalo -
Vai o menino e fura de canivete a sambixuga:
Escorre sangue escuro do cavalo.
Palavra de um artista tem que escorrer
substantivo escuro dele.
Tem que chegar enferma de suas dores, de seus
limites, de suas derrotas.
Ele terá que envesgar seu idioma ao ponto de
enxergar no olho de uma garça os perfumes do
sol.

(Manoel de Barros, Retrato do artista quando coisa)
 

domingo, 14 de dezembro de 2014

A PÉTALA E O ORVALHO

   Viestes como vida
De passagem, de partida
   Colorida de rubor
Conduzida pelo vento
  
   Sobre o caule que fadiga,
O orvalho do suor
   Cobre a pétala caída
Farta de contentamento

sábado, 13 de dezembro de 2014

ONDE NÃO ESTAMOS

Há um lugar
Onde o tempo não passa
No qual sou cativo
Das minhas instituições

Nesse lugar estranho
Arredio a geografias e à rosa dos ventos
Sou o rei espoliado
Que governa o desgoverno do nada
Por puro prazer, por puro engano

Há um lugar
Onde o tempo não passa
E onde nada passará
Onde a grama não cresce
Onde o sol é sentimento
Onde a esperança é o bobo da corte
Zombeteiro e desarmado

Esse lugar
Tem vivido em polvorosa
Com o vaticínio banal
De um vate ancestral
- O rei cairá, senhoras e senhores
  Avizinham-se forças mundanas
  Ávidas de danos concretos
  E de melodias menos patéticas
  Cercados estamos!
  Não resistamos!
  Em nome dos deuses
  Não resistamos!
  Se não resistirmos
  Eles passarão!
 
Já adentra os portões o divo cavalo
Que saqueiem e ateiem fogo à cidade
Em que vivemos e onde não estamos!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

MANHÃZINHA

Tua lembrança conduziu-te de tão longe
Ao instante em que a brisa me atingiu
Distraído nem sequer me dava conta
E a manhã de dedos róseos fez-se anil

No silêncio cujo gozo inda é de ouro
Da labuta dorme o mundo e o seu ranger
Nesta hora ao teu sussurro o ouvido ausculta
E ao balé da alma una a se expandir

Entretecido côa o filtro o acorde exato
Perfuma o ar as fortes notas de café
Por entre livros que desdizem a matemática
Me reconduzo à terra firme e aos teus pés

Ao teu sussurro ainda ouço, menos claro
Entre os ruídos mais que humanos do despertar
Sutil navalha reparte em muitas a una alma
Em todo canto abrem janelas de par em par

A cidadela é já balburdia o sol colore
Aos fragmentos e cada parte é mais que tudo
N’algum lugar muito distante tua mão colhe
Sob o pomar da vida o suculento fruto

domingo, 7 de dezembro de 2014

POESIA

Ainda que com olhares de belas ninfas a vida clame
De mim és diva guia que soberana reina cruel
Destino que se consuma sem tolo pranto e sem escolha
Que soem dos teus exércitos de palavras firme tropel 

Clangores do ferro etéreo se avizinham da cidadela
Adiante soa a trombeta a pôr guerreiros em prontidão
Mulheres se desesperam e fazem preces a deuses pétreos
O sangue corre nas veias, levitam alvos os pés do chão

Um brado soa terrível, diz ser a vida diva batalha
Sussurros o contradizem, sugerem diva a comunhão
O peito em polvorosa retumba as rochas d’alta muralha
Trabalham os duros punhos entre refregas e mansidão

Distante, muito distante no bosque brincam ninfas travessas
Persegue-as com teso caule o divo Pã, cascos de bode
Encenam entre vinhedos do drama áureo versões avessas
Entoam da vida o canto, versos satíricos, lascivas odes

Já longe vai a batalha na cidadela dos tempos idos
Já mortos o mercenário exposto e o rei, ambos irmãos
No bosque o som da flauta soa prazeres consentidos
O sol no azul do céu nos ilumina com seu clarão

Ó musa que me consagra de ti humilde sou servidor
Rapina me traz a águia de afiado bico guerreiro
Qual bípede sem asas ou pluma vôo em seu louvor
Medita em mim coruja de quedo olhar e sábio zelo