Apolo: O sol nunca se põe. Essa é a verdade.
Dionísio: Mas também nunca ilumina os dois
lados da Terra de uma só vez.
Apolo: Dois lados?
Dionísio: Sim!
Apolo: Já está bêbado a esta hora, jovem
deus?
Dionísio: Sempre, meu caro e orgulhoso Apolo. Você
sabe muito bem que o vinho é o meu sangue.
Apolo: Sei. Mas, então, me diga: sendo
redonda, como poderia a Terra possuir dois lados?
Dionísio: Ah, ah, ah! Você sabe muito bem ser
um belo de um sofista quando quer! Andou provando do meu vinho, foi?
Apolo: Ora, Dionísio, me respeite! Como poderia
eu, bêbado, seguir na tarefa de iluminar e ordenar o mundo?
Dionísio: Que desse jeito tal tarefa seria
muito mais divertida, ah, isso seria!
Apolo: Basta, Dionísio! – Oh, Zeus, dai-me
paciência com este teu fruto semeado no leito da infortunada Sêmele – Não me
agrada ser chamado de sofista, jovem insolente! Ao invés de me ofender, responda
a pergunta que te fiz: como pode a Terra ter dois lados sendo ela redonda?
Dionísio: Apolo, guarde a tua ironia dialética
para os filhos de Platão, o ardente amante do cadáver de Sócrates. Vocês, juntos, como
bem sabe, hão de ordenar todo o mundo... de pernas pro ar! Ah, ah, ah, ah! Mas vocês
sabem, também, que não me terão como aliado!
Apolo: Você vai responder o que te perguntei,
ou vai ficar bancando a criança e me fará a desfeita de me deixar sem resposta?
Dionísio: Ora, Apolo, você sabe muito bem que é
por sua causa que a Terra, redonda e
azul, tem dois lados. O claro e o escuro. A luz e a escuridão. O dia e a noite.
A vergonha e a nudez. A cultura e a natureza. A razão e o instinto. A ordem e a
desordem... Quer que eu continue?
Apolo: Ainda assim, o sol nunca se põe. Insisto!
Dionísio: Sei que você não tem escolha, prezado
irmão. Mesmo assim, considero você ainda mais belo quando, à noite, não passa de
uma sutil lembrança refletida pela lua. Pois mesmo ela, que ilumina e cresce
por amor a você, também morre e rejuvenesce por amor a mim: eis a lua nova!
Apolo: Não me fale dessa ingrata! Reflete
minha luz dizendo me amar, mas sempre me abandona para depois voltar, como se
nada tivesse acontecido.
Dionísio: Pois é justamente quando te abandona
que ela mais me ama. Mas ao contrário de você, não me sinto abandonado quando,
cheia e redonda, ela tanto te ama e presta homenagens. Eis o meu único
mandamento: o eterno retorno.
Apolo: Ora, se ela tanto me ama, porque me
abandona?
Dionísio: Apolo, mesmo a lua se cansa de refletir.
Apolo: (após instantes de silêncio
pensativo) Será que sobrou um pouco do teu vinho para me oferecer?
Dionísio: Ah, ah, ah, ah! É claro, meu irmão! Dancemos!
Evoé!!
Coro: EVOÉ!!!