domingo, 28 de dezembro de 2014

SARGAÇOS

Criar é não se adequar à vida como ela é,
Nem tampouco se grudar às lembranças pretéritas
Que não sobrenadam mais.
Nem ancorar à beira-cais estagnado,
Nem malhar a batida bigorna-mágoa.

Nascer não é antes, não é ficar a ver navios,
Nascer é depois, é nadar após se afundar e se afogar.
Braçadas e mais braçadas até perder o fôlego
(Sargaços ofegam o peito opresso),
Bombear gá do tanque de reserva localizado em algum ponto
Do corpo
E não parar de nadar,
Nem que se morra na praia antes de alcançar o mar.

Plasmar
  bancos de areias, recifes de corais, ilhas, arquipélagos, baías,
                                                                      espumas e salitres,
                                                                        ondas e maresias.

Mar de sargaços

Nadar, nadar, nadar e inventar a viagem, o mapa, 
                                      o astrolábio de sete faces
O zumbido dos ventos em redemunho, o leme, as velas, as 
                                                                                   cordas
Os ferros, o júbilo e o luto.
Encasquetar-se na captura da canção que inventa Orfeu
Ou daquela outra que conduz ao mar absoluto.

   Só e outros poemas
          Soledades
                 Solitude, récif, étoile.

Através dos anéis escancarados pelos velhos horizontes
Parir,
   desvelar,
       desocultar novos horizontes.
Mamar o leite primevo, o colostro, a Via Láctea.
E, mormente,
          remar contra a maré numa canoa furada
Somente
          para martelar um padrão estóico-tresloucado
De desaceitar o naufrágio.
Criar é se desacostumar do fado fixo
E ser arbitrário.

                                                  Sendo os remos imateriais.
                                    
                                                  (Remos figurados no ar
                                                  pelos círculos das palavras.)

(Waly Salomão, Lábia)
  

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

VIDAS PARALELAS


(Pseudíssimo-Plutarco, Vidas Paralelas - Antônio Cícero e Dante Alighieri)
 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

COMO SÃO

  Pela lembrança
pelo olvido
  co-movido
           

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

DES(A)TINO

   Cedo
me quis
   o destino
calado

   Não meta
destino
   o nariz
onde não é chamado!

terça-feira, 16 de dezembro de 2014


Há um cio vegetal na voz do artista.
Ele vai ter que envergar seu idioma ao ponto
de alcançar o murmúrio das águas nas folhas
das árvores.
Não terá mais o condão de refletir sobre as
coisas.
Mas terá o condão de sê-las.
Não terá mais idéias: terá chuvas, tardes, ventos,
passarinhos...
Nos restos de comida onde as moscas governam
ele achará solidão.
Será arrancado de dentro dele pelas palavras
a torquês.
Sairá entorpecido de haver-se.
Sairá entorpecido e escuro.
Ver sambixuga entorpecida gorda pregada na
barriga do cavalo -
Vai o menino e fura de canivete a sambixuga:
Escorre sangue escuro do cavalo.
Palavra de um artista tem que escorrer
substantivo escuro dele.
Tem que chegar enferma de suas dores, de seus
limites, de suas derrotas.
Ele terá que envesgar seu idioma ao ponto de
enxergar no olho de uma garça os perfumes do
sol.

(Manoel de Barros, Retrato do artista quando coisa)
 

domingo, 14 de dezembro de 2014

A PÉTALA E O ORVALHO

   Viestes como vida
De passagem, de partida
   Colorida de rubor
Conduzida pelo vento
  
   Sobre o caule que fadiga,
O orvalho do suor
   Cobre a pétala caída
Farta de contentamento

sábado, 13 de dezembro de 2014

ONDE NÃO ESTAMOS

Há um lugar
Onde o tempo não passa
No qual sou cativo
Das minhas instituições

Nesse lugar estranho
Arredio a geografias e à rosa dos ventos
Sou o rei espoliado
Que governa o desgoverno do nada
Por puro prazer, por puro engano

Há um lugar
Onde o tempo não passa
E onde nada passará
Onde a grama não cresce
Onde o sol é sentimento
Onde a esperança é o bobo da corte
Zombeteiro e desarmado

Esse lugar
Tem vivido em polvorosa
Com o vaticínio banal
De um vate ancestral
- O rei cairá, senhoras e senhores
  Avizinham-se forças mundanas
  Ávidas de danos concretos
  E de melodias menos patéticas
  Cercados estamos!
  Não resistamos!
  Em nome dos deuses
  Não resistamos!
  Se não resistirmos
  Eles passarão!
 
Já adentra os portões o divo cavalo
Que saqueiem e ateiem fogo à cidade
Em que vivemos e onde não estamos!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

MANHÃZINHA

Tua lembrança conduziu-te de tão longe
Ao instante em que a brisa me atingiu
Distraído nem sequer me dava conta
E a manhã de dedos róseos fez-se anil

No silêncio cujo gozo inda é de ouro
Da labuta dorme o mundo e o seu ranger
Nesta hora ao teu sussurro o ouvido ausculta
E ao balé da alma una a se expandir

Entretecido côa o filtro o acorde exato
Perfuma o ar as fortes notas de café
Por entre livros que desdizem a matemática
Me reconduzo à terra firme e aos teus pés

Ao teu sussurro ainda ouço, menos claro
Entre os ruídos mais que humanos do despertar
Sutil navalha reparte em muitas a una alma
Em todo canto abrem janelas de par em par

A cidadela é já balburdia o sol colore
Aos fragmentos e cada parte é mais que tudo
N’algum lugar muito distante tua mão colhe
Sob o pomar da vida o suculento fruto

domingo, 7 de dezembro de 2014

POESIA

Ainda que com olhares de belas ninfas a vida clame
De mim és diva guia que soberana reina cruel
Destino que se consuma sem tolo pranto e sem escolha
Que soem dos teus exércitos de palavras firme tropel 

Clangores do ferro etéreo se avizinham da cidadela
Adiante soa a trombeta a pôr guerreiros em prontidão
Mulheres se desesperam e fazem preces a deuses pétreos
O sangue corre nas veias, levitam alvos os pés do chão

Um brado soa terrível, diz ser a vida diva batalha
Sussurros o contradizem, sugerem diva a comunhão
O peito em polvorosa retumba as rochas d’alta muralha
Trabalham os duros punhos entre refregas e mansidão

Distante, muito distante no bosque brincam ninfas travessas
Persegue-as com teso caule o divo Pã, cascos de bode
Encenam entre vinhedos do drama áureo versões avessas
Entoam da vida o canto, versos satíricos, lascivas odes

Já longe vai a batalha na cidadela dos tempos idos
Já mortos o mercenário exposto e o rei, ambos irmãos
No bosque o som da flauta soa prazeres consentidos
O sol no azul do céu nos ilumina com seu clarão

Ó musa que me consagra de ti humilde sou servidor
Rapina me traz a águia de afiado bico guerreiro
Qual bípede sem asas ou pluma vôo em seu louvor
Medita em mim coruja de quedo olhar e sábio zelo