quarta-feira, 1 de agosto de 2012

MISTO QUENTE VI

No dia seguinte, deitado na cama, cansei de esperar pelos aviões e encontrei um enorme caderno amarelo que deveria ter sido usado para as atividades do ensino médio. Estava em branco. Encontrei uma caneta. Fui para a cama com o caderno e a caneta. Fiz alguns desenhos. Desenhei mulheres usando saltos altos, com as pernas cruzadas e as saias erguidas.

Então comecei a escrever. Era sobre um aviador alemão durante a Segunda Guerra Mundial. Barão Von Himmlen. Pilotava um Fokker vermelho. E não era popular entre seus colegas aviadores. Não falava com eles. Bebia sozinho e falava sozinho. Não ligava para mulheres embora todas o amassem. Ele estava acima desse tipo de coisa. Tinha outras ocupações. Estava ocupado em abater aviões aliados. Já havia derrubado 110, e a guerra ainda nem tinha terminado. Seu Fokker vermelho, que ele chamava de “Pássaro da morte de outubro”, era conhecido em todas as partes. Até mesmo os homens das tropas inimigas o conheciam porque freqüentemente ele passava em vôos rasantes sobre suas cabeças, enganando o fogo da artilharia e rindo, lançando-lhes garrafas de champanhe em pequenos pára-quedas. O Barão Von Himmlen nunca era atacado por menos de cinco aviões aliados de cada vez. Era um homem muito feio, o rosto coberto de cicatrizes, mas se você olhasse para ele por um bom tempo acabaria por descobrir sua beleza – ela estava nos olhos, no seu estilo, na sua furiosa solidão.

Escrevi páginas e mais páginas sobre os encarniçados combates aéreos do Barão: sobre como ele derrubava três ou quatro aviões e voava de volta, seu Fokker vermelho em frangalhos. Ele aterrissava, saltava do avião ainda em movimento e seguia para o bar, onde pegava logo uma garrafa e se sentava sozinho, mandando as doses goela abaixo. Ninguém bebia como o Barão. Os outros apenas ficavam no bar a observá-lo.

O Barão continuava abatendo avião atrás de avião. Ninguém parecia entendê-lo e ninguém sabia como ele se tornara tão habilidoso com o Fokker vermelho, sem falar em suas outras peculiaridades. O modo como lutava. Ou o jeito gracioso que tinha ao caminhar. E assim ele seguia. Às vezes não contava com a sorte ao seu lado.

O Barão seguiu fazendo coisas mágicas. Metade do caderno havia sido preenchida com o Barão Himmlen. Fazia-me bem escrever sobre ele. Um homem precisava de alguém. Não tinha ninguém por perto, assim você precisava inventar uma pessoa, criar um homem do modo como ele deveria ser. Isso não era faz-de-conta ou enganação. A outra alternativa sim é que era faz-de-conta e enganação: viver a sua vida sem um homem desses por perto.

(Charles Bukowisk)
                                             

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