sexta-feira, 11 de setembro de 2009

MALEDICÊNCIA


Não se lembrava ao certo como a vida havia se convertido em algo tão caprichosamente difícil de entender. Não cansava de dizer a si mesmo, entretanto, que haveria de ser seu o capricho de não querer compreende-la. Ainda assim, não bastava. Mesmo que ele tivesse, de uma vez por todas, decidido encarar suas contradições e enganos de olhos abertos e que a forma com que essa decisão fosse levada a cabo incluísse a cruel astúcia de zombar de si próprio na busca de sentidos supostamente incrustados nos vãos de sua alma insolente, tal maledicência parecia pecar em excesso em nome da incapacidade de enxergar o sentido certeiro que lhe era subtraído. Errante se sentia diante de uma vida engajada em admitir em tom solene e peremptório sobre a distância entre os seus simples desígnios e a rasa atuação, ora soberba, ora inutilmente humilde, dele. Pensava que, talvez, tivesse nascido para viver como ditador tropical de qual ilha solitária banhada por um sol crepuscular. Mas, logo lembrava das estreitas fronteiras que demarcavam a cela para além da qual o mundo o observava em toda a sua natureza cativa e piedosamente ignóbil. Nunca vítima, contudo, era capaz de se enxergar, senão de si próprio, da sua falta de entendimento, da vileza com que se via na terra inóspita em que decidira, em tempos imemoriais, fincar a bandeira andrajosa da qual planejara, um dia, sentir orgulho. Não recordava o instante em que tal orgulho, tendo avançado por fileiras sinuosas, fez do zelo que lhe guiava o alimento para uma busca lenta e progressivamente amesquinhada diante da iminência de sucessivas perdas duramente assimiladas, ou mesmo, controversamente não admitidas. Sabia, porém, que de alguma forma o sugerido como inevitável, já um vício corroído pela certeza que devora a própria base, tinha que ser evitado mesmo que isso significasse precipitar a fatalidade legítima do imprevisível. Pois, se havia valor nas previsões que assistiram ao largo a passagem da realidade que se supunham antever, este valor não poderia ser senão o de uma derrota cabal não consentida e melancolicamente inútil. Inútil: era assim que, ao seu engenho, se apresentava o próprio esforço de sua mente em tracejar um arremedo qualquer de sentido que o fizesse recobrar a irmandade com a vida que agora parecia lhe escapar por entre os dedos. Percebeu, porém, enfim e ao cabo de uma garrafa de vinho, ao olhar fixamente as próprias cicatrizes, que sem dúvida havia espaço para muitas outras. Finalmente sorriu. Sutilmente. Um sorriso discreto feito cicatriz que nunca cicatriza. O circuito da dor se completou. Não restava outra coisa a fazer senão ir a procura de mais. Justamente aonde a dor se apresenta como promessa de amor e vida.

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