quarta-feira, 30 de setembro de 2009

SÍNTESE

Vontade louca
De resolver
A existência
Em um só dia

Cadê você
Girando o mundo
Sem eu saber
Que eu não sabia?

NÁUFRAGO SEM MAR

Cedo era todo dia
O mar
A alegria
Movimento incessante
O peixe dentro d'água
Maré cheia
Vazante

Ressacas
Tormentas
Coração cheio de si
O medo
A morte
Respirar alívio
Sorrir

Palavras?
Poesia?
O que dizer?

Náufrago sem mar
Devo remar
Amanhecer

terça-feira, 29 de setembro de 2009

ÚLTIMA VIGÍLIA

A ti desejo
Enquanto dormes

Da sombra vejo
Sou o que morre

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

TIRANIA

O tirano veste sombra
Tece auto-elogios
Sobre a mesa pés descalços
Sobressaltos ninguém viu

O tirano dá risada
Junto dele quem não ri?
O palhaço chora a mágoa
O carrasco diz de si

O tirano pensa muito
Repetindo: que se dane!
Está correto, diz o sábio
Meu juízo, dor e pane

O tirano nega a pecha:
- Ouça o mundo e então conclua
   Por que achas mais suspeita
   Minha voz diante da sua?

O tirano silencia
Perto dele encosta a moça
Dá sorrisos, gesticula
Diz palavras que eu não ouça

O tirano é só um homem
Vive fora, vive dentro
Rói a base do seu trono
Ergue reinos ao relento

O tirano narra a história
Quer o outro só viver
Sobre si arroja o golpe
Já o azul, entardecer

ONTEM

Até hoje perplexo
ante o que murchou
e não eram pétalas

De como este banco
não reteve forma,
cor ou lembrança

Nem esta árvore
balança o galho
que balançava

Tudo foi breve
e definitivo.
Eis está gravado

não no ar, em mim,
que por minha vez
escrevo, dissipo

(Carlos Drummond de Andrade)

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

REDESPEDIDA

Devia ter ido há muito
Pouco resta menos claro
Amanhece ultimato
Rompe a linha o horizonte

Devia evitar a guerra
Me altera o tolo sonho
Te alveja o meu  sorriso
Restam corpos sem batalha

Redespeço-me agora
Sem atravessar a porta
Com silêncio sem aceno
Poesia me engole

domingo, 20 de setembro de 2009

ARMADILHA PARA PEGAR PAPALÉGUAS

A pluma
A bigorna
Desejos havidos
Em linhas tortas

sábado, 19 de setembro de 2009

PARADOXO

- Se você tentou falhar e conseguiu, você descobriu o que é paradoxo!

(Luis Fernando Veríssimo)

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

POUCO IMPORTA

Toda verdade
Meio mundo

Mundo inteiro
Verdadeira dúvida

Mas tudo
Pouco importa

Nem verdade
Mundo ou chuva

Se tua boca
Meia lua

Sob estrelas
Me encontra

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

OS DESLIMITES DAS PALAVRAS

Lugar sem comportamento é o coração
Ando em vias de ser compartilhado
Ajeito as nuvens no olho
A luz das horas me desproporciona
Sou qualquer coisa judiada de ventos
Meu fanal é um poente com andorinhas
Desenvolvo meu ser até encostar na pedra
Repousa uma garoa sobre a noite
Aceito no meu fado o escurecer
No fim da treva uma coruja entrava

(Manoel de Barros)

FALHA CARTESIANA
























Aprendi a usar
o campasso antes da régua
meu mundo gira
meus tropeços
linha reta




segunda-feira, 14 de setembro de 2009

UM FORASTEIRO PEDE CARONA



....um forasteiro chega a um lugar vindo de algum outro. Deseja apresentar-se ao mundo e que o mundo a ele se apresente. Colhe informações aqui e ali sem reparar no quanto elas dizem de si próprio. Tem de si muitas informações colhidas, muitas delas que em nada lhe dizem respeito. Seu passado nunca é totalmente revelado, muito menos o futuro condiz com tudo o que deseja. Conhece pessoas. Umas oferecem suas semelhanças. Outras segredam suas diferenças. Conhece o amor. Apresentam-no à tragédia como perda inevitável que não se admite. Apresentam-no à comédia como tragédia hilária quando sentida à distância. Aprende que resolver problemas é o mesmo que criar outros. É morto por assassinos e comete assassinatos. Descobre que as metáforas auxiliam a enfrentar a morte. Sempre pensa em voltar para o lugar da onde veio. Ao voltar, porém, descobre que dele tornou-se um forasteiro. Um forasteiro chega a um lugar vindo de algum outro....

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

MALEDICÊNCIA


Não se lembrava ao certo como a vida havia se convertido em algo tão caprichosamente difícil de entender. Não cansava de dizer a si mesmo, entretanto, que haveria de ser seu o capricho de não querer compreende-la. Ainda assim, não bastava. Mesmo que ele tivesse, de uma vez por todas, decidido encarar suas contradições e enganos de olhos abertos e que a forma com que essa decisão fosse levada a cabo incluísse a cruel astúcia de zombar de si próprio na busca de sentidos supostamente incrustados nos vãos de sua alma insolente, tal maledicência parecia pecar em excesso em nome da incapacidade de enxergar o sentido certeiro que lhe era subtraído. Errante se sentia diante de uma vida engajada em admitir em tom solene e peremptório sobre a distância entre os seus simples desígnios e a rasa atuação, ora soberba, ora inutilmente humilde, dele. Pensava que, talvez, tivesse nascido para viver como ditador tropical de qual ilha solitária banhada por um sol crepuscular. Mas, logo lembrava das estreitas fronteiras que demarcavam a cela para além da qual o mundo o observava em toda a sua natureza cativa e piedosamente ignóbil. Nunca vítima, contudo, era capaz de se enxergar, senão de si próprio, da sua falta de entendimento, da vileza com que se via na terra inóspita em que decidira, em tempos imemoriais, fincar a bandeira andrajosa da qual planejara, um dia, sentir orgulho. Não recordava o instante em que tal orgulho, tendo avançado por fileiras sinuosas, fez do zelo que lhe guiava o alimento para uma busca lenta e progressivamente amesquinhada diante da iminência de sucessivas perdas duramente assimiladas, ou mesmo, controversamente não admitidas. Sabia, porém, que de alguma forma o sugerido como inevitável, já um vício corroído pela certeza que devora a própria base, tinha que ser evitado mesmo que isso significasse precipitar a fatalidade legítima do imprevisível. Pois, se havia valor nas previsões que assistiram ao largo a passagem da realidade que se supunham antever, este valor não poderia ser senão o de uma derrota cabal não consentida e melancolicamente inútil. Inútil: era assim que, ao seu engenho, se apresentava o próprio esforço de sua mente em tracejar um arremedo qualquer de sentido que o fizesse recobrar a irmandade com a vida que agora parecia lhe escapar por entre os dedos. Percebeu, porém, enfim e ao cabo de uma garrafa de vinho, ao olhar fixamente as próprias cicatrizes, que sem dúvida havia espaço para muitas outras. Finalmente sorriu. Sutilmente. Um sorriso discreto feito cicatriz que nunca cicatriza. O circuito da dor se completou. Não restava outra coisa a fazer senão ir a procura de mais. Justamente aonde a dor se apresenta como promessa de amor e vida.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

REVOLUÇÃO, REVOLUCIONÁRIO


Imensa solidão
Avessa imensidão
Nem só, nem são
Solitário
Acrobata sem rede
Extra - ordinário
A dois palmos, o chão

E o deserto e a sede
Em meio à multidão
Literário
Vasto e triste
Charlatão de si mesmo
Alma em riste
Coração sem desejo
Falsário

Condenado de saída
Patíbulo ao encalço
Da comédia, a guarida
Da vida, cadafalso

Subversivo
Arbitrário
Nem solidão, nem solitário
Artesão
Inquebrantável operário
Poeta que inflige
à ordem, a desordem
Ao mundo
O contrário

Revolução
Revolucionário