Prólogo
Quando foi que
juntamente com tudo
Passei eu mesmo
a ser esse
Que aparentemente
sendo muito profundo
Se afogava num
raso sem peixes?
E que apoiado
nas tantas palavras
Penduradas qual
penduricalhos
Ornamentos pesando
a cascalhos
Sobre a fonte do
mau entendimento
Comecei a erguer
meu castelo
Ora em ruína,
mas todo erguido
Por vapores de
um ingente anelo
Que na frieza
dos dias vividos
Enrijeciam-se
feitos escravos
Que, todavia,
trabalham contentes
Com o único
intento de terem
A mim para
sempre só deles?
Canto e espanto
Vejo o mundo ao
entorno
Vejo a mim mesmo
e contemplo
A origem de
novos rebentos
Grãos de terra
de um chão que não escolho
Leito d’um zelo
em excesso
Mão que a tudo
amaina
Não se vale do
verso e o reverso
Absoluta é a sua
escolha
E da gruta o
mundo renasce
Sob a luz se
alarga nas bordas
E como estória
que alguém já contasse
Com dois olhos à
vida acorda
Mas acorda
também pensamento
Afastando-se um
passo do abismo
Pouco pensa, é
mais sentimento
Sensações que
não sabem o cinismo
(Mas quando?,
ainda pergunto,
Que o cinismo
passou a ser eu
E o mundo, que
por mim mais cresceu
Converteu-se em
tão árido assunto?)
Um segundo e a
concepção
Faz de mim um
destino sem escolha
Faz a forma pr’aquele
que olha
Faz o ato da
revolução
Tão primeira e
tão necessária
À tragédia de
tudo o que existe
Sou um filho que
o mundo assiste
Sou quem expande
pra muito sua área
Minhas pernas de
terra são feitas
Passo a passo a
terra não acaba
O caminho de
certo e estreito
Em descampado
imenso se alarga
Mas aos passos,
não há quem os explique
Só do mundo a
escrit’inacabada
Que se abre a
quem se verifique
Amante andarilho
cantor de palavras
Mas também a
matéria pensante
Na poeira da
terra germina
Entre o abismo e
o pasto se firma
E ao mundo
traceja o semblante
Origem e tragédia
Parece-me
inescapável
De início o
primeiro fantasma
A pergunta que a
muitos engasga
Uma origem que
seja explicável
Para isso a
palavra é preciso
Ferramenta exclusiva
dos homens
Criadoras que
erguem abrigos
E o entendimento
consomem
Rejeitadas pela
natureza
Que de inícios
sempre as dispensava
Viu nascer de
soslaio sua presa
E já ela num
instante chorava
Pois o ser que
primeiro nasceu
Era causa e
também conseqüência
Engolfado em si
mesmo torceu-se
Dando à forma
primeira existência
Junto à forma
nascia o som
Junto ao som
rebentou a palavra
E do mundo
quebrou-se o encanto
Que o silêncio há
tanto gestava
Pois o pranto
não era à toa
O fazia toda a
natureza
Que não tarde
fez-se a nova presa
Do infante de
audível coroa
Eis o ser e eis
toda sua força
A palavra, pilar
da sua História
Dominado aquele
que a ouça
Se a proclama, senhor
da sua glória
Então tudo, em
seu torvelinho
De solavancos a
tudo inverteu
E se o vento
fazia o moinho
Sozinho e sem
vento o moinho moeu
E o mundo que
era ele mesmo
Os limites que a
vida expandia
Enganado, sem
rumo e a esmo
Se quedava
esquivo e ouvia
A palavra de um
pensamento
Que crescia em
torno a si mesma
Dando asas aos
vermes, às lesmas
Que não viam na
terra o contento
Eis, então, que
todo pensamento
De reinante ao
abismo voltou
No vazio
cultivou o tormento
E no peito do
homem o instalou
Eis o mundo e o
homem distantes
Eis o homem
refém da idéia
Eis o todo em
nada sobrante
Como sombras
correndo nas veias
E a vida
converte-se em sonho
E o castelo
mantém-se altivo
Pois a sombra
oculta o dano
São os olhos
mais cegos que o ouvido
Andarilho errante
Caminho por ruas
noturnas
Caminho por ruas
sem cores
Mas se o dia
traz o colorido
Traz ao homem o
fim das’uas dores
Não concedo
verdade ao tormento
Que cultive um
homem em vão
No avesso
interno do peito
Desprezando a
astúcia das mãos
Quem caminha
conhece o mundo
E pra trás deixa
o próprio jardim
Que no início é
maior do que tudo
Se explorado
quase não tem fim
Todavia, é
depois da cancela
Que se guarda a
extensão de uma vida
Mas fechando-a é
vã toda espera
Que esperando
não encontra a partida
Pois partido se
torna o homem
Que transborda
por sua cisão
Flores mortas
que suas mãos colhem
E não cessam de
brotar do chão
Demônio Apolo
Me parece em
voga a moda
Que cultiva qual
ignorante
Que assim sendo
é muito falante
E tantas voltas
dá à simples corda
Eis que as
voltas em forma de forca
Lhes investe de
volta o argumento
Sem nem mesmo
que se faça força
Agoniza-lhe o
próprio instrumento
Tão altivo se me
aproxima
Repartindo o
caminho das pedras
Sobre mim seu
juízo se inclina
Tolo ser que a
si mesmo se enreda
Pois bem saiba
que as flores que colho
Não são mortas,
mas vivas urtigas
E se ao peso do
mundo me encolho
Tens minha ira
em contrapartida
Epílogo
Demônio moderno
da luz
Andarilho sem
eira nem beira
É a guerra o que
a ambos seduz?
É o medo que a
um deles tempera?
Contendores da
vida agônica
Harmonia e feliz
dissonância
É vizinha a
lacuna astronômica
São guerreiros o
canto e a dança
Num planeta
distante nascemos
Mas o erro é a morada
da vida
Somos jovens se
um dia crescemos
Terra e céu,
corpo e ment’ eis a lida
Andarilho errante
Ó terceiro, fiel
conciliador
É dialético o
som do teu canto
Teu silêncio,
porém, um horror
Subtrai a ação do seu tanto
Concilia na voz
guerra crua
Nada disse que
eu já não sabia
Mas tua voz é
também o motor
Que as destroça,
as hierarquias?
Tua voz menos vale
que o gesto
Se ressoa senão
para ti
Quem te pôs o
tirano cabresto?
O demônio Apolo sorri
Demônio Apolo
Bem nascidos, sem fim tagarelam
A palavra é o
triunfo do ser
Mui distante os
gregos acenam
É a idéia seu
prevalecer
Se a querem
negar como fazem
Se a querem
enfim destruir
Fortalecem a
idéia que trazem
Destruição destruidora
de si
Essa rede de
tempo tecida
Pescador, mestre
e aprendiz
É arpão, é anzol,
presa e isca
Do que é dito e
do que não se diz
Dialética, mais
bela piada
Negação, euforia
e ardor
Silogismo, minha
lança afiada
É o único
possível vetor
Andarilho errante
Ora, Apolo, tua
arte conheço
Sempre preso ao
teu falso vetor
Artifício que já
de começo
Te acusa uma
ausência e uma dor
Não que sintas,
bem sei tanto e quanto
És covarde à
todo o sentir
Por que pensas o
mundo ser manco?
Pra amainar o teu medo de ti?
Se o grego
distante se encontra
Sua luz é razão
da sofística
Cujo dedo desmonta
e remonta
Pretensões tolas
e metafísicas
Mais um epílogo
Mais um epílogo
A criança e o
quebra-cabeça
O adulto e a
doutrina moral
O futuro é o
homem e a besta
E o amor e a
luta agonal