Mais tarde, quando a alma jovem, martirizada por puras desilusões, finalmente se volta desconfiada contra si mesma, ainda e sempre ardente e selvagem, inclusive na sua desconfiança e no seu remorso: como se enraivece então, como se dilacera impaciente, como se vinga por sua demorada auto-obcecação, como se ela tivesse sido uma cegueira voluntária! Nessa transição castigamos a nós mesmos, ao suspeitar do próprio sentimento; torturamos o entusiasmo com a dúvida, sim, sentimos até a boa consciência como um perigo, como que autodissimulação e fadiga da honestidade mais fina; e sobretudo tomamos partido, tomamos partido por princípio contra a "juventude". Um decênio depois; e compreendemos que tudo isso também era ainda juventude!
(Nietzsche, Além do bem e do mal)
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Durante a juventude, as mais áridas
indiferenças, as mais cínicas grosserias, conseguimos encontrar-lhes desculpas
de manias passionais e também sei lá de que sinais de inexperiente
romantismo. Mais tarde, porém, quando a vida lhe mostrou muito bem tudo o que é
capaz de exigir de cautela, de crueldade, de malícia para ser apenas, mal ou
bem, mantida a trinta e sete graus, é que você percebe, você está pronto, bem
colocado para compreender todas as porcarias que um passado contém. Basta, no
final das contas, se contemplar escrupulosamente, a si mesmo, e aquilo que nos
transformamos em matéria de imundice. Acaba-se o mistério, acaba-se a
imbecilidade, toda a nossa poesia foi por nós devorada, já que vivemos até aquele
momento. Neca de pitibiriba, a vida.
(Céline, Viagem ao fim
da noite)